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Resenha - O Retorno de Martin Guerre

Por:   •  18/2/2018  •  Resenha  •  4.061 Palavras (17 Páginas)  •  648 Visualizações

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Prefácio

Este livro surgiu da aventura entre um historiador e uma forma diferente de falar sobre passado. A estória de Martin Guerre foi muitas vezes recontada. Nos anos 1540, no Languedoc, um camponês rico abandona sua mulher, filho e propriedades; ele supostamente volta, mas depois de três ou quatro anos, a esposa diz que foi enganada por um impostor e leva-o a julgamento. Mas o verdadeiro Martin Guerre volta. Foram escritos dois livros, um deles por um juiz do tribunal. Ainda é lembrada na aldeia de Artigat, nos Pirineus. Inspirou uma peça, três romances e uma opera.

Quando li pela primeira vez o relato do juiz, pensei “Isso precisa virar um filme”. Por coincidência, fiquei sabendo que o roteirista Jean-Claude Carrièrre e o diretor Daniel Vigne iniciavam um roteiro sobre o tema. O nosso trabalho conjunto resultou o filme Le Retour de Martin Guerre. 

Ao escrever para atores e não leitores surgiram novas questões sobre as motivações das pessoas no século 16. Senti que tinha meu próprio laboratório que gerava não provas, mas possibilidades históricas.

Sacrificava-se a origem basca dos Guerre, ignorava-se o protestantismo rural e principalmente, o duplo jogo da mulher e as contradições internas do juiz eram amenizados. Mas onde ficava o espaço para refletir sobre o significado a identidade no século 16?

Assim, o filme colocou o problema da invenção para o historiador de modo tão seguro quanto fora colocado à mulher de Martin. Escrevi para os arquivos de Foix, Toulouse e Auch. Daria a estória seu primeiro tratamento histórico global, usando todos os papéis e documentos legados pelo passado.

As coisas se mostraram muito mais difíceis do que eu imaginava, mas é um prazer relatar uma vez mais a história de Martin Guerre.

Introdução

“Mulher boa com mau marido geralmente tem o coração ferido”. “O amor pode muito, o dinheiro pode tudo”. Esses são alguns dos provérbios com que os camponeses caracterizavam o casamento na França do século 16.

Como fazem os historiadores para trazer à superfície tais informações das profundezas do passado? Esquadrinhamos as cartas e diários íntimos, as autobiografias, memórias e histórias de família, entre outros, mostram-nos os sentimentos e reações que os autores consideravam plausíveis num determinado período.

Quanto às fontes literárias sobre os camponeses, quando existem, seguem az regras clássicas que fazem dos aldeões um tema reservado às comédias. A comédia apresenta personnes populaires, pessoas de baixa condição, assim diz a teoria. “À comédia descreve e representa em estilo simples e humilde o destino privado dos homens... seu final é feliz, divertido e agradável.”

Existe uma outra série de fontes onde os camponeses aparecem em situações desagradáveis e o desfecho nem sempre é feliz. Os registros dos tribunais, que vêm sendo usados pelos historiadores para entender como os aldeões e a arraia-miúda urbana manobravam no interior do rigoroso mundo da lei e do costume, para encontrar uma companheira adequada.

Existem, enfim, os processos verbais de diversas jurisdições criminais.

Eis, por exemplo, a história contada em 1535 por um jovem camponês lionês, que tenta obter do rei o perdão por um assassinato cometido impulsivamente.

Os documentos nos ensinam alguma coisa sobre as expectativas e sentimentos dos camponeses em épocas de agitações ou crimes. Em 1560, vem ao Supremo Tribunal de Toulouse o caso criminal onde um dos juízes o livro O Arrest Memorable. Chama-se Jean de Coras, autor dos comentários em latim sobre o direito civil e canônico. O livro reunia todas às prova, argumentos formais e julgamentos do caso, incluindo ainda suas anotações.

Combinando as características do texto jurídico e do texto literário, a obra de Coras sobre o caso Martin Guerre pode nos introduzir no mundo secreto dos sentimentos e aspirações camponeses.

Gostaria de arriscar a hipótese de que estamos frente a uma rara identificação entre o destino dos camponeses e o destino dos ricos e intruídos.

4 As Máscaras de Arnaud du Tilh

Arnaud, filho de Arnaud Guilhem du Tilh, originário da aldeia de Sajas; sua mãe em solteira Barrau, vinha da aldeia vizinha de Le Pin. Arnaud tinha uma visão menos bucólica sobre sua província em relação aos seus contemporâneos, Sajas tinha seu senhor Jean de Vize, ao qual sucedeu o filho Séverie. A antiga casa de Comminges-Péguilhan possuía o senhorio de Le Pin. Isso significava, além dos pagamentos usuais, o direito de interferir na vida da aldeia. No entanto, a região conhecia uma intensa atividade econômica dentro da órbita de Toulouse. Os camponeses de Sajas e Le Pin iam a Rieumes e, a Isle-em-Dondon, Lombez, Gimont e Toulouse, para comprar ou vender.

Os du Tilh e os Barrau eram famílias totalmente comuns nesse pequeno mundo. Os du Tilh ocupavam um lugar intermediário na sociedade  aldeã; possuíam campos e vinhedos suficientes para que, com a morte de Arnaud Guilhem, quando a propriedade seria dividida igualmente entre os filhos, restasse uma parcela de terra para Arnaud. A única coisa que distinguia os du Tilh do conjunto dos outros aldeões era seu filho Arnaud. Sua juventude fora totalmente diferente da de Martin Guerre.

Arnaud se destacou como um "debochado", "de má vida", "consumado em todos os vícios". Certamente bebia e se divertia na taberna com moças de Rieumes. Apelidaram-no de Pansette (“barriga”), devido aos seus apetites imoderados. À sua maneira, Arnaud du Tilh não se adaptava ao mundo camponês da família e às propriedades da mesma forma que Martin Guerrem em Artigat. 

Será que em algum momento se encontraram antes que du Tilh decidisse encarnar o personagem de Martin Guerre? Um ponto do depoimento de Arnaud em Rieux dá algum fundamento à hipótese de um encontro anterior entre os dois homens.

Os dois rapazes poderiam ter se conhecido em suas perambulações pela sua região ou alhures. Perceberam que eram parecidos, embora Martin fosse mais alto, mais esbelto e um pouco mais moreno do que Arnaud. Descobriram essa semelhança através de terceiros (no século 16 o espelho era um objeto que não se encontrava numa casa camponesa). Eles se perguntam se essa semelhança não iria além da simples aparência física. Uma das raras confidências de Pansette a um conhecido de Sajas durante seu período em Artigat é: “Martin Guerre morreu, deu-me seus bens”. É um roteiro possível, porém Arnaud du Tilh finalmente confessou. Afirmou jamais ter encontrado Martin Guerre antes de vim a Artigat.

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