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Biografando Vidas

Por:   •  24/10/2018  •  Trabalho acadêmico  •  4.058 Palavras (17 Páginas)  •  128 Visualizações

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  1. Por que professora
  2. Por que espanhol
  3. Por que mestrado
  4. Por que ser a professora que sou
  5. histórico trabalhista
  6. Por que desespero para trabalhar

Ser professora estava nos meus planos. Não me lembro exatamente desde quando, mas me recordo que este foi um caminho natural, como se fosse uma possibilidade que sempre existiu. Quando estava no ensino médio e a eleição destes caminhos se tornaram exaustivamente cobradas, a opção da docência passou a ser recriminada. Minha mãe, formada em pedagogia e com curso normal, dizia que eu era inteligente demais para ser professora, minha tia, que é professora, dizia que eu não teria vida: trabalharia fins de semana, noites e seria pobre para sempre. Alguns professores da escola também me lembravam que eu tinha nota do PAS para cursos “melhores” e que esta escolha deveria ser pensada, já que teriam reflexo a longo prazo. Lembro que fiquei chateada, reflexiva e até bem perto do fim do prazo, ainda não havia decidido que curso fazer.

Até que em agosto de 2005, o então presidente Lula sancionou a lei Nº 11.161, que tornava obrigatória a oferta do ensino de língua espanhola em todas as escolas do país. Parecia um sinal. A minha história com o espanhol era antiga, vinha desde a 7 série, quando minha mãe decidiu matricular a mim e ao meu irmão em um curso de língua estrangeira, e a opção que nos restava era qual língua estudar. Eu sabia apenas que não queria inglês. A birra com o país que se auto nomeia como se fosse o continente inteiro já existia e eu nem tinha consciência acadêmica do porquê, mas a percepção de mundo me dizia que havia algo errado e eu fazia questão de dizer “não”, “eu não preciso saber esta língua que todo mundo diz que todo mundo tem que saber, mas que tão pouca gente sabe, e que em 6 anos de estudo ninguém conseguiu me ensinar mais que o fatídico “TO BE”. Foi quando, depois de sorteada para estudar espanhol no CIL de sobradinho, aos 12 anos, iniciei este encantamento com o espanhol, com a pluralidade e com a possibilidade de conhecer 21 culturas, literaturas, culinárias a partir de uma língua só.

Estas “semi-escolhas” que mencionei foram muito comuns em minha vida. Minha mãe era craque em nos dar duas opções dentro de uma pré-seleção e nos obrigar a cumprir as demandas com a justificativa de que nós escolhemos. Exemplo: “escolham duas cores de verduras e comam tudo, afinal vocês escolheram! ”. Detalhe, haviam três tipos de verduras. “Podem escolher entre inglês, francês e espanhol para estudar. Quero excelentes notas, afinal, vocês escolheram! ”, mas haviam ainda muitas situações em que não tínhamos nenhuma escolha e a frase de efeito era: “Esta é a minha casa. Minha casa, minhas regras. Quando você tiver a sua, manda nela”, ou a mais ouvida de todas “Enquanto você comer do meu feijão, você vai seguir as minhas regras.” Algum tempo depois, em processo analítico, percebi que houveram consequências destas frases e de muitas outras... por exemplo, amo trabalhar! Trabalho initerruptamente desde os 17. Estagiária, vendedora, professora particular, dona de creche e professora da rede pública e particular. Entendi que a emancipação não vem com a maioridade, não vem com a maturidade, não vem com crescimento físico. A única independência real é a financeira. Pelo menos é assim que funciona para os filhos de Maria de Fátima. E olha, como desejei esta emancipação!

Minha mãe era rebelde quando adolescente. Aluna do Elefante Branco, andava com os alunos do teatro Ducina, com os maconheiros, beberrões e todos os outros tipos malvistos pela sociedade da época. Ela não bebia, não fumava e era virgem.  Até que em certo momento se deu conta de que a “tradicional família brasileira” não se importava com quem ela era ou com as escolhas que realmente fazia e sim com as aparências e ela nem de longe se parecia com as noras que as senhoras desejavam ou com as “meninas para casar”. Sofreu uma tentativa de abuso por um rapaz que não entendeu por que ela “dava para todo mundo e queria fazer doce para ele” e foi humilhada por um pai que não permitiu que seu filho namorasse uma garota malvista. Aproveitou a mudança de cidade da família para mudar de postura. Entrou para a igreja, trocou as roupas, conheceu o meu pai, casou e construiu a máxima que ouvi muitas vezes na vida: “A sociedade diz que mudou, mas é hipocrisia. Na hora de escolher a menina para namorar, para casar, para levar a sério, eles procuram na igreja e não no bar.”

Neste contexto cresci com o dilema de ser a pessoa que tenho vontade de ser ou ser a pessoa que gostariam que fosse.

Eu era uma “peste” quando pequena. Ao menos é o que me dizem. Eu não consigo me lembrar de nada, absolutamente nada desta fase. Me contam que eu chorava loucamente antes de aprender a falar, depois falava sem parar, fazia muitas perguntas destas que ninguém quer responder, e trocava de estripulia uma pela outra conforme me proibiam de desenvolvê-las. Em algum momento da vida, mudei. E é desde quando me lembro. Me tornei uma garota que fala baixo, evita o confronto, faz todo o possível para agradar e tem muita dificuldade de tomar decisões. Vivi parte considerável da vida nesta conjuntura de um ser domado dentro de outro, que escapava as vezes em respostas ríspidas, em crises de choro, em irritação injustificada. Era uma ovelha que vez ou outra mordia, mas que tinha uma admiração gigantesca e inconsciente por leões. Admirava obcecada os que tem coragem, os que se atrevem, mas guardava a adrenalina para os riscos controlados de parques de diversões, turismo de aventura ou relacionamentos kamikazes.

Quando eu tinha 20 e poucos anos, uma prima educada sobre outras normas veio morar na nossa casa e eu já formada, empregada e semi-emancipada, aproveitei a oportunidade de alçar voos mais altos. Saíamos de casa na hora que deveríamos voltar e com roupas que ninguém deveria vestir, segundo as palavras dos meus pais. Duas mulheres sozinhas em festas pela madrugada. Era demais para eles. Toleraram bastante tempo, tivemos muitas conversas sobre os riscos que corríamos e sobre como não iria conseguir um marido assim. A verdade é que eles sempre quiseram o meu bem. Parece clichê e o é, mas é preciso dizer. Meus pais tem uma incrível capacidade de mutilar as próprias concepções forjadas a ferro e fogo para olhar para o mundo de um outro jeito se isso for ajuda-los a nos compreender e nos incluir outra vez no rol dos bons filhos. É como se fizessem diversas revisões de possibilidades de tornar os nossos comportamentos aceitáveis antes de condená-los. Mas houve uma hora que não deu. Não deu para mim, porque sinto que eles poderiam passar o resto da vida tendo conversas dolorosas e revendo nossos comportamentos. Inclusive as vezes ainda acontece, mas em uma destas discussões, em um momento complicado em diversos aspectos da vida, resolvi que iria morar só e finalmente mandar no meu próprio nariz.

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