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Legado de uma tragédia: uma análise da mentalidade religiosa do povo de Szibusz em “Hóspede por uma noite” de S.Y. Agnon

Por:   •  7/12/2016  •  Artigo  •  1.467 Palavras (6 Páginas)  •  383 Visualizações

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Neste artigo trabalharemos a presença de um fenômeno importante e recorrente em “Hóspede por uma Noite”, obra principal do escritor israelense Shmuel Yosef Agnon: os efeitos da Primeira Guerra Mundial e dos Pogroms na mentalidade religiosa do povo de Szibusz, a cidade fictícia em que se passa o romance.

É interessante notar que são exatamente estas ruínas que conduzem o narrador. O romance é, basicamente, o ponto de vista de um homem que esteve na cidade em seus tempos de glória e, retornando da Terra de Israel, em posição elevada, encontra sua cidade natal destruída e seus irmãos com inumeráveis dificuldades e problemas. Segundo Berta Waldman, na Apresentação da Edição brasileira do romance¹:

Fincado nas raízes judaicas, mas atento aos desafios da cultura e da vida modernas, o narrador se inscreve nesse meio-fio, e é a partir dele que constrói o relato sensível do trauma instalado no mundo judaico causado por transformações sociais, pela perda da fé, pela guerra e pelos deslocamentos migratórios. Em síntese, a cidade que o protagonista deixou não é a mesma que ele encontrou. Esse desacordo é responsável pelo andamento do romance.

Para tanto, primeiramente escolhi expor uma contraposição entre dois personagens, pai e filho: Daniel Bach e Rabi Schlomo, conforme o seguinte trecho, presente no livro²:

Acrescentou Rabi Schlomo: E como cumprirás “com toda a tua alma”, mesmo quando Ele está prestes a tirar a tua alma? Gritou Daniel: Uma pessoa pode sacrificar-se no altar e entregar sua alma no martírio da fé e estender-se a clamar pelo Único até que sua alma expire, mas ser sacrificada todo dia, toda hora, todo o tempo sobre sete altares e ser queimado, hoje uma parte, amanhã outra – a isso não há homem que resista.

Através desta discussão entre ambos, Agnon apresenta um rápido panorama das contradições e discussões presentes no pensamento judaico dentro do panorama europeu do final do Século XIX e início do Século XX. A discussão entre os personagens começa com a recusa de Daniel em cumprir o mandamento que obriga os judeus a colocarem os filactérios pela manhã. Esse afastamento não é senão uma consequência de um antigo trauma ocorrido durante uma das batalhas de trincheiras na qual Daniel lutou, em que ele, ao procurar por seus filactérios, os encontra preso no corpo de um soldado destroçado.

As consequências deste episódio se intensificaram no pensamento de Daniel conforme o tempo passou e novas tragédias sucederam, como, por exemplo, ter tido o infortúnio de perder a perna enquanto buscava o sustento de sua família. Suas constatações e reflexões o levam a um impasse diante da fé tradicional, exposta em uma de suas falas nesta mesma discussão com o pai³:

Acaso a glória do Senhor reside num naco de carne ou num odre de sangue fétido que grita: Tu és justo apesar de tudo que me assolou e eu sou um pecador, e a despeito disso, Ele não o larga e torna a disparar as suas setas.

O dilema entre Daniel Bach e seu pai, Rabi Schlomo, aponta para um ainda maior, que remete ao livro de Jó: a constatação da maldade no mundo pelo homem. Daniel Bach, a exemplo de Jó, perde os filhos de maneira brutal e, não bastando, perde uma perna buscando o sustento da família. Está nítido que Bach esperava pela piedade divina diante de tamanhas tragédias que o assolaram, sem citar ainda a morte do irmão. Coloca-se em dúvida, então, a bondade de Deus e a sua onipotência, afinal, somente uma pode sobreviver ante a esse dilema. Enquanto seu pai opta por conviver com ambas e relativizar a maldade no mundo com um discurso devoto em fé, Daniel opta por descartar a bondade de Deus e se rebelar ante a lei. Essa dualidade é, em si mesma, um reflexo da sociedade judaica europeia, principalmente da Galícia.

Essa discussão perpassa por dois aspectos que se contrapõem na obra de Agnon: tradição e modernidade. Como sabemos, os judeus dessa região – que sempre pertenceu à Polônia – durante o período em que esteve sob o domínio Austro-húngaro receberam uma série de esforços e incentivos por parte do imperador Francisco José para se integrarem definitivamente à sociedade de seu Império. Essa política inclusiva, inexistente no Império alemão, gerou uma serie de cisões. Como apontado por Luís Krausz no posfácio da edição brasileira do livro4:

De um lado estava a facção que pregava a germanização e a modernização dos costumes, o abandono das crenças tradicionais e das esperanças pela redenção e a integração de um estado moderno, que garantiria seus direitos a todos os cidadãos – fossem de origem judaica ou não. De outro lado estava um setor conservador, mergulhado no misticismo extático dos mestres hassídicos, que via o surgimento das identidades judaicas seculares e laicas como uma heresia a ser combatida com todas as forças.

Para os tradicionalistas, a exemplo de Rabi Schlomo, a desobediência do povo de Israel, sua rendição à haskalá – o iluminismo judaico que, de alguma forma, exilou o pensamento de am Israel, isto é, o conceito de povo israelita, a fim de atingir a plena integração dos judeus na sociedade moderna – e à assimilação, trouxe, como castigo divino, as mazelas que os afrontaram: os pogroms, a destruição causada pela guerra, a fome, a pobreza.

Uma

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