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A Antropologia

Por:   •  27/4/2015  •  Trabalho acadêmico  •  4.509 Palavras (19 Páginas)  •  642 Visualizações

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Antropologia

Estudo sobre crime e costume na sociedade selvagem

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MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e costume na sociedade selvagem. Trad. Maria Clara Corrêa Dias. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003. 100p.

A obra divide-se em duas partes, sendo a primeira parte intitulada “A lei primitiva e a ordem”, e a segunda tem como título “O crime primitivo e seu castigo”, propondo discutir, em linhas gerais, os estudos etnográficos sobre os trobriandeses, analisando o chamado direito primitivo, questionando mitos e lançando luz sobre um novo campo de prospecção para a área da antropologia.

A primeira parte subdivide-se em treze capítulos. No primeiro capítulo, intitulado “A submissão automática ao costume e o problema real”, argumenta que a hipertrofia de regras e não a falta de leis era característica da vida primitiva, fato que trouxe mudanças na opinião científica sobre o assunto, passando o selvagem a ser visto como cidadão obediente à lei, tornando – se um axioma que, submetendo-se a todas as regras da tribo, segue a tendência natural de seus impulsos espontâneos e, por assim dizer, desliza ao longo da linha da menor resistência. Assim, segundo competentes antropólogos, o selvagem tem uma profunda reverência pela tradição e pelo costume, numa submissão automática às suas ordens. Contudo, o autor discorda dessa opinião, questionando o fato de os “grilhões da tradição” serem idênticos ou mesmo semelhantes na arte, nas relações sociais, na indústria e na religião, além disso, o fato de o selvagem aceitar esses grilhões como algo natural e nunca procurar rompe-los, é algo protestável, para o autor, nenhuma sociedade pode funcionar de forma eficiente se as leis não forem obedecidas de modo voluntário e espontâneo, uma vez que a ameaça de coerção e o medo da  punição não afeta  o homem comum, seja ele selvagem ou civilizado, embora, por outro lado, são indispensáveis em qualquer sociedade em relação a certos elementos turbulentos ou criminosos, devendo – se ainda mencionar certo número de leis, tabus e obrigações em toda cultura humana que têm grande peso sobre toda população e exige auto – sacrifício, embora seja obedecido por razoes morais, sentimentais ou reais, sem qualquer espontaneidade. A idéia central do capítulo é de que o selvagem às vezes transgride a lei, embora de forma rara e ocasional, a observância das regras da lei, em condições normais, quando seguida e não desafiada, é condicional, parcial e sujeita a evasivas. A lei é imposta por incentivos psicológicos e sociais muito complexos.

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No segundo capítulo, intitulado “A economia melanésia e a teoria do comunismo primitivo”, é feita uma breve descrição sobre as ilhas Trobriands, destacando – se suas características geomorfológicas, sobre seus habitantes e atividades econômicas, as quais se sustentam principalmente na agricultura e na pesca, além de serem especializadas em diversas artes e ofícios e sagacidade no comércio e no intercambio. As atividades econômicas dos trobriandenses são bastante organizados, nas canoas de pesca, navegam o proprietário legítimo, sendo os restantes a tripulação e, geralmente, pertencem ao mesmo subclã, estando ligados uns aos outros e a seus companheiros de aldeia por obrigações mutuas, ressaltando – se que, quando a comunidade sai para pescar, o proprietário não pode recusar sua canoa, devendo ele mesmo ir ou mandar alguém em seu lugar, ficando a tripulação igualmente comprometida com ele. Ao final da pesca, cada homem recebe a justa parte, equivalente a seu trabalho. Além disso, salienta que as condições se tornam ainda mais complexas em virtude do fato de proprietários e membros da tripulação terem o direito de transferir seus privilégios a qualquer parente ou amigo, o que é comum, mas sempre por remuneração ou compensação. De acordo com o autor, a descrição de instituições selvagens em termos de “consumismo”, “capitalismo” ou “cooperativismo” não leva em consideração à realidade em que vivem os selvagens. No caso da canoa e da atividade pesqueira, há um sistema definido de divisão de funções e um sistema rígido de obrigações mútuas, em que um sentido de dever e de reconhecimento da necessidade de cooperação entram, lado a lado, com a verificação do interesse próprio, dos privilégios e dos benefícios, a propriedade é a soma de deveres, privilégios e reciprocidades que liga os sócios – proprietários entre si e ao objeto.

O terceiro capítulo, “A força das obrigações econômicas”, discorre sobre o que acontece com a divisão da pesca, onde constata que, na maioria dos casos, apenas uma pequena proporção permanece com os aldeões, pois normalmente pessoas de comunidades do interior estão à espera do peixe para levá-lo para casa, devido ao sistema de serviços e de obrigações mútuas baseado em um acordo permanente entre as duas comunidades – a dos pescadores do litoral e a das aldeias do interior, pelo qual a aldeia do interior fornece verduras e legumes aos pescadores, os quais, por sua vez, retribuem o fornecimento com peixes, um arranjo econômico, que também envolve um aspecto cerimonial – ritualístico e legal, pois nenhum dos parceiros pode recusar um presente nem deixar de retribuir o que recebeu.

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Assim, identifica que cada comunidade depende muito de seus parceiros e que todas as cadeias de reciprocidade estabelecidas entre as aldeias são reforçadas por serem parte de todo um sistema de mutualidade.

O quarto capítulo, “Reciprocidade e organização dual”, faz uma análise sobre a importância da reciprocidade na organização social primitiva, onde constata que o principio dual resulta integralmente da simetria interna de todas as transações sociais da reciprocidade de serviços, essenciais para a existência da comunidade primitiva, destacando que entre duas comunidades, as trocas são feitas por parceiros que têm seu respectivo parceiro, que muitas vezes são parentes por afinidade, amigos declarados ou parceiros no sistema de troca cerimonial denominado kula. Assim, a troca estabelece um sistema de laços sociológicos de natureza econômica, muitas vezes combinados com outros laços entre indivíduo e indivíduo, grupo de parentesco e grupo de parentesco, aldeia e aldeia, distrito e distrito. Dessa forma, em dois grupos que trocam serviços e funções, cada um supervisiona o cumprimento e a correção da conduta do outro. O comportamento social dos nativos baseia – se na concessão mútua muito bem avaliada, sempre mentalmente conferida e, a longo prazo, equilibrada.

No quinto capítulo, intitulado “A lei, o interesse pessoal e a ambição social”, fala sobre os motivos que mantêm os pescadores em sua tarefa, sendo que estes vão além da coerção das obrigações recíprocas, incluindo também a utilidade da ocupação, o desejo de uma alimentação boa e fresca, além da atração por esta atividade que é para os nativos um esporte fascinante. Não obstante, salienta que a coerção social, o respeito pelos direitos em vigor e pelas reivindicações dos outros predominam sempre, tanto em suas mentes como em seu comportamento, além do fato de também ser fundamental assegurar o harmonioso funcionamento de suas instituições. Destaca ainda que a ambição e a vaidade, associadas à exibição de alimentos e de riqueza têm grande ascendência sobre a mente dos melanésios, pois o desejo de ostentar, a ambição de se mostrar generoso, a extremada reverencia pela riqueza e pela acumulação do alimento se traduzem na associação de uma transação semicomercial a cerimônias públicas definidas, tornando – se outra força coerciva de realização. Salienta também que, sempre que pode se furtar às obrigações sem perda de prestígio ou sem a perspectiva da perda de lucros, o nativo o faz, tal como faria um homem civilizado. Nas transações sempre há reclamações, mas no fim das contas, a parceria continua

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e, de modo geral, todos procuram cumprir suas obrigações, pois são impelidos, em parte pelo próprio interesse e em parte em obediência às suas ambições e sentimentos sociais.

Assim, as regras da lei sobressaem às regras simples dos costumes; a lei civil é muito mais desenvolvida do que o conjunto das simples proibições. Assim, a lei de efetiva coação social consiste nos complexos arranjos que fazem as pessoas se atirem a suas obrigações – transações ligadas em cadeias de serviços mútuos, a feição publica e cerimonial sob a qual as transações são realizadas, a ambição e vaidade dos nativos -, aumentam a força de salvaguarda da lei.

O sexto capítulo, “As regras da lei nos atos religiosos”, comenta que o aspecto legal pode ser encontrado em qualquer outro domínio da vida tribal, citando como exemplos os ritos de luto e pesar pelos mortos. A primeira vista, percebe-se seu caráter religioso, mas nas Ilhas Trobriands não existe um único ato mortuário ou cerimônia que não seja considerada uma obrigação do executante para alguns dos sobreviventes. A viúva chora e se lamenta em tristeza cerimonial, mas também porque a força de seu sofrimento satisfaz diretamente os irmãos e os parentes maternos do falecido. Essa obrigação tem reciprocidade, na primeira grande distribuição cerimonial, três dias após a morte do marido, a viúva recebe dos parentes dele um pagamento ritual e outro substancial por suas lágrimas; recendo mais tarde, nas festas cerimoniais, pagamentos pelos serviços subseqüentes do luto, além disso, é um elo na cadeia vitalícia de reciprocidade entre marido e mulher e entre suas respectivas famílias.

No sétimo capítulo, intitulado “A lei do casamento” analisa a importância do casamento para a compreensão da lei nativa, pois estabelece não apenas um laço entre o homem e a família da mulher, especialmente com o irmão dela, pois em uma família de Trobriands o guardião – o irmão ou pra falta deste, o parente materno mais próximo – é a pessoa a quem a mulher deve obedecer, os filhos dela reconhecem nele, e não no próprio pai, o chefe legal da família. O guardião deve, por sua vez, cuidar dos filhos da mulher e abastecer considerável proporção dos alimentos da casa. O marido deve, por sua vez, retribuir toda contribuição da colheita anual com determinados presentes periódicos; quanto aos filhos, quando crescem, passam diretamente para a autoridade do tio materno e devem ajuda – lo, enquanto as filhas da irmã devem prover ao sustento com seus herdeiros e descendentes, até as duas gerações seguintes.

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O oitavo capítulo, “O princípio das concessões mútuas na vida tribal”, aborda sobre a importância da reciprocidade entre os nativos trobriandenses, destacando que a verdadeira razão pela qual todas as obrigações econômicas são respeitadas reside no fato de que a falta de cumprimento deixa um homem em situação intolerável. Aquele que, de forma persistente, desobedece às regras da lei em seus tratos econômicos, logo se encontra fora da ordem econômica e social. O cidadão honrado deve cumprir seus deveres, e sua submissão se deve a um complexo funcionamento detalhado de um sistema, em que cada ato tem seu próprio lugar e deve ser realizado sem falha. Ressalta também que um homem pode renunciar à sua posição e transmiti-la ao seguinte na linha sucessória; todavia, uma vez que a aceita, tem o dever de cumprir suas obrigações e, em troca, a comunidade deve dar tudo o que lhe é devido.

No capítulo nono, intitulado “A reciprocidade como base da estrutura social”, comenta que toda a estrutura da sociedade das Ilhas Trobriands se fundamenta no princípio do status legal – direitos do chefe sobre os homens do povo, do marido sobre a mulher, dos pais sobre os filhos e vice – versa não são exercidos de forma arbitrária e unilateral, mas segundo regras definidas, baseadas nos serviços recíprocos. Até o chefe deve conformar – se a normas rígidas e sobre restrições legais. Na natureza legal das relações sociais, a reciprocidade, o princípio das concessões mútuas também reina soberana no clã e mais ainda no grupo mais próximo de parentes.

O décimo capítulo, “As regras do costume definidas e classificadas”, faz um estudo sobre as regras dos nativos, que têm uma classe de regras compulsórias, sem nenhum caráter mítico, divino, nem impostos por nenhuma sanção sobrenatural, mas providas de uma força aglomeradora puramente social. A força do hábito, a reverencia pela autoridade tradicional e um apego sentimental a isso, o desejo de satisfazer a opinião pública – tudo se combina para fazer com que o costume seja obedecido pelo próprio mérito. Entre os selvagens há uma série de regras tradicionais que ensinam aos artífices como oferecer seu produto; recomendações de como comportar-se no convívio com parentes, amigos, superiores, iguais, etc; regras que estabelecem a conduta em jogos, esportes, diversões e festividades; normas relativas ao que é sagrado e importante, regras do ritual mágico, da pompa funerária e afins; regras de conduta pessoal  em  relação  aos  parentes próximos que integram o ambiente doméstico e outros por

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quem se nutrem grandes sentimentos de amizade, lealdade ou devoção.

No capítulo onze, intitulado “Uma definição antropológica da lei”, identifica que a “lei civil”, lei formal que rege todas as fases da vida tribal, consiste de um conjunto de obrigações consideradas corretas por um grupo e reconhecidas como dever pelo outro, mantida em vigor por um mecanismo determinando de reciprocidade e publicidade inerente à estrutura de sua sociedade. Tais regras não apenas apresentam penalidades pelas falhas, mas prêmios pelo excesso no seu cumprimento. O rigor da lei é assegurado pela avaliação racional de causa e efeito pelos nativos, aliada a uma série de sentimentos sociais e pessoais. A lei não reside em um sistema especial de decretos, que prevê e define possíveis formas de contravenção e provê barreiras e reparos apropriados, ela é o resultado da configuração de obrigações que impossibilitam o nativo de esquivar-se à sua responsabilidade sem sofrer por isso no futuro.

O capítulo doze, “Arranjos legais específicos”, destaca mecanismos da lei dos trobriandenses. O primeiro mecanismo é a Yakala – troca de protestos públicos nos quais as duas partes, auxiliadas por amigos e parentes, encontram-se e discutem violentamente aos berros, e aos berros respondem às recriminações -; é um arranjo especial da lei, de pequena importância, e realmente não chega à essência da coerção legal. O segundo é o Kaytapaku, uma forma de magia realizada sobre todos os coqueiros da comunidade para dar-lhes fertilidade e tem como conseqüência a rigorosa proibição de apanhar cocos e até de partilhar um coco, mesmo que seja importado. Já a gwara é uma espécie de moratória interrompendo todos os pagamentos, sem nenhuma interferência com os recebimento, visando também acumulação de objetos valiosos antes de uma grande distribuição cerimonial. Já a Kaiasa é uma espécie de contrato cerimonial, onde o líder de uma expedição, o mestre de uma festa ou um empresário de algum setor faz uma grande distribuição cerimonial e os que dela participam e se beneficiam de sua generosidade obrigam-se a ajudar o líder em todo o empreendimento.

No capitulo treze, intitulado “Conclusão e previsão”, faz um balanço sobre as suas explanações no decorrer da primeira parte do livro, ressaltando que a função essencial da lei é reprimir certas propensões naturais, limitar e controlar os instintos humanos e impor um comportamento   compulsório   e   não   espontâneo,  isto é,  assegurar um tipo de cooperação

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baseado em mútuas concessões e sacrifícios para um fim comum.

Todas as regras da tribo, triviais ou importantes, agradáveis ou fastidiosas, morais ou utilitárias, são acatadas pelo selvagem com reverência e consideradas obrigatórias. A força do costume, o encanto da tradição, em si, não seria suficiente para impedir as tentações do anseio ou da ambição, nem os ditames do interesse próprio. A simples sanção da tradição muitas vezes funciona, e funciona sozinha para fazer respeitar as boas maneiras, o uso costumeiro, o comportamento privado e o público em todos os casos em que são necessárias algumas regras para estabelecer o mecanismo da vida comum e da cooperação, como também para permitir a conduta obediente. Constata ainda que há outras regras, ditames e imperativos que requerem e possuem seu tipo especial de sanção, tais como a sanção do castigo tribal, que resguardam a vida humana, a propriedade e a honra pessoal, além das instituições como a chefia, a isogamia, a posição social e o casamento. Também deve-se mencionar que existem regras compulsórias que controlam a maioria dos aspectos da vida tribal, que regulam as relações pessoais entre os parentes, os homens do clã e os homens da tribo, assentam as relações econômicas, o exercício do poder e da magia, o status do marido, da mulher e de suas respectivas famílias, regras essas quer correspondem à nossa lei civil. Não há nenhuma sanção religiosa para essas regras, nenhum temor, supersticiosos ou racional, que as reforcem; nenhum castigo tribal para sua quebra, nem mesmo o estigma da opinião pública ou a censura moral. Assim, argumenta que as forças compulsórias da lei civil da Melanésia serão encontradas na harmonização das obrigações, no fato de serem arranjadas em cadeias de serviços mútuos, em uma série de concessões mutuas que se estende por longos períodos e cobre amplos aspectos de interesse e atividade, ao que se deve acrescentar a maneira ostensiva e cerimonial com que a maioria das obrigações legais devem ser cumpridas.

A segunda parte subdivide-se em quatro capítulos. O primeiro capítulo, “A transgressão da lei e a restauração da ordem”, dedica-se à análise da natureza dos atos criminosos, o procedimento e suas relações com a lei civil; os principais fatores que ajudam a restabelecer o equilíbrio perturbado; as relações e os possíveis conflitos entre os diversos sistemas da lei nativa. Cita o caso de um rapazinho que se suicidou, após ser insultado diante de toda comunidade   pelo   pretendente   da  mulher com quem se relacionava – sua prima materna -,

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transgredindo as regras da isogamia.

A respeito deste caso, o autor comenta que a opinião pública não foi afrontada pelo conhecimento do crime em nenhum grau, nem reagiu diretamente, teve de ser mobilizada pela declaração pública do crime e insultos proferidos contra o culpado, o qual teve de assumir o castigo, o que leva a afirmar que a “reação do grupo” e a “sanção sobrenatural” não foram os princípios que atuaram. Diante disso, verifica o autor que a quebra da isogamia, no que tange as relações sexuais e não a casamentos, não é de forma alguma ocorrência rara e que a opinião publica é, decididamente, hipócrita, pois se o caso é mantido oculto e, se ninguém cria problema, a “opinião pública” bisbilhotará, mas não exigirá nenhum castigo rigoroso e, se irrompe um escândalo, todos se voltam contra o casal culpado. Outra constatação concerne no sistema de magia dos nativos, que consiste em encantamentos e rituais realizados para desfazer os maus resultados do incesto no clã, o que talvez seja o caso mais preciso de evasão metódica à lei, havendo ainda sistema de magia para induzir mulher casada à infidelidade – meio tradicional de zombar da instituição do casamento e da proibição do adultério -; magia dirigida contra as instituições estabelecidas e ocupações importantes. Analisa também a visão dos trobriands sobre a violação da isogamia, onde constata que para os nativos, o incesto com uma irmã é um crime inqualificável, quase inconcebível; a violação do tabu, no caso de primos – irmãos matrilíneos, é uma ofensa muito séria, que pode ter conseqüências trágicas; à medida que o parentesco se afasta, diminui a gravidade e, quando cometida com alguém que apenas pertença ao mesmo clã, a violação da isogamia é um exemplo facilmente perdoado, o que revela que o clã é um grupo muito bem diferenciado de pessoas, cada uma com uma relação especial, segundo seu lugar na genealogia.

No segundo capítulo, intitulado “Feitiçaria e suicídio como influencias da lei”, estuda a feitiçaria nas Ilhas Trobriands, a qual é praticada por um numero limitado de especialistas, normalmente homens de inteligência e personalidade notáveis que exercem seu poder por conta própria e também profissionalmente, cobrando emolumentos. O feiticeiro é tido em grande reverência, pois a crença na feitiçaria está profundamente arraigada e qualquer doença séria e a morte são atribuídas à magia negra, daí dizer – se que a feitiçaria é a principal força motriz do crime na Melanésia e em outros lugares, dando a um  homem po -

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der, riqueza e influência, que utiliza da mesma para favorecer os próprios objetivos, embora, em geral, seja moderado, pois é vigiado pelo chefe, pelos notáveis e por outros feiticeiros.

Estuda também casos de investigações dos motivos pelos quais uma pessoa é morta por bruxaria, sendo bastante comum o sucesso sexual, a beleza, a habilidade na dança, a ambição de riqueza, o atrevimento na ostentação e no gozo de bens mundanos o poder excessivo por meio da feitiçaria, os quais são considerados falhas ou pecados perigosos, pois despertam o ciúme dos poderosos. Dessa forma, depreende – se qualquer proeminência é considerada ofensiva, daí a atuação do chefe no sentido de zelar pela mediocridade dos outros e aplicar a lei. Não podendo usar a violência física direta nessas questões, o meio legal adequado é recorrer à feitiçaria, a qual é considerada um apoio do interesse em jogo, uma força conservadora, a principal fonte do saudável temor pelo castigo e represália indispensável. Quanto ao suicídio, embora não seja uma instituição puramente jurídica, pode ter aspecto legal distinto, praticado por meio do lo’u (atirar-se do alto de um coqueiro) e a ingestão de um veneno fatal da vesícula biliar de um peixe (soka) e pelo método mais brando de ingerir um pouco do tuva, veneno vegetal usado para entorpecer peixes. As duas primeiras formas de suicídio são usadas para escapar de situações sem saída, onde a pessoa publicamente acusada admite sua culpa, assume todas as conseqüências, castiga o próprio corpo, mas ao mesmo tempo declara ter sido aviltada, apela aos sentimentos dos que a levaram a esse extremo. Assim, o suicídio, tal qual a feitiçaria, é um meio de manter os nativos na estrita observância da lei, um meio de tolher as formas extremas e incomuns de comportamento.

O terceiro capítulo, “Sistemas da lei em conflito”, aborda sobre a lei primitiva, a qual consiste de uma série de sistemas mais ou menos independentes, ajustados uns aos outros apenas parcialmente. Faz uma analise sobre o princípio do direito da mãe e o do amor do pai, os quais concentram – se de forma mais acentuada na relação de um homem com o filho de sua irmã e com o próprio filho, respectivamente, onde o sobrinho matrilíneo é seu parente mais próximo e o herdeiro legal de todas as suas dignidades e funções, sendo que o próprio filho não é considerado um parente, legalmente, ele não está relacionado ao pai, o único elo é

o status sociológico do casamento com a mãe.

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Em face desse aspecto, enfatiza que o poderoso sistema legal do direito da mãe é associado a um sentimento bastante fraco, enquanto o amor do pai, muito menos importante na lei, é respaldado por um forte sentimento e, quando um chefe tem considerável poder, a influencia pessoal supera o peso da lei, e a posição do filho é tão forte quanto a do sobrinho, fato que não tem maiores distúrbios quando filho e sobrinho são moderados. Todavia, pode gerar conflitos, quando os sobrinhos se sentem lesados. Há casos de arranjos, como no caso de um homem que tem um filho e cuja irmã da à luz uma filha, ele tem o direito de pedir que essa criança seja comprometida como noiva de seu filho, assim seus netos serão parentes dele e o filho passará a ser cunhado do herdeiro da chefia, trazendo – lhe benefício, como assegurar ao filho o direito de permanecer na comunidade do pai para sempre e gozar de quase todos os privilégios da plena cidadania.

No último capítulo, intitulado “Os fatores de coesão social em uma tribo primitiva”, dedica-se à análise da coesão social na tribo primitiva, destacando que a unidade do clã e, mais ainda a, do subclã são muito palpavelmente expressas nas grandes distribuições festivas (saglai), em que os grupos totêmicos fazem um jogo cerimonial de concessões econômicas recíprocas, havendo uma unidade múltipla e real de interesses, de atividades e, necessariamente, de alguns sentimentos, unindo os elementos de um subclã e os subclãs componentes em um clã, algo que é bastante enfatizado em muitas instituições, na mitologia, no vocabulário, nos ditos populares e nas máximas tradicionais. Contudo, deve-se ressaltar que, enquanto em qualquer disputa de natureza social, política ou cerimonial um homem – por ambição, orgulho ou patriotismo – de modo invariável esteja ao lado da parentela matrilinear, os sentimentos mais delicados, as amizades amorosas, as afeições o fazem muitas vezes descuidar-se do clã pela esposa, pelos filhos e pelos amigos nas situações mais comuns da vida. Já nas oportunidades em que atua como unidade econômica nas distribuições cerimoniais, o clã só permanece homogêneo em relação a outros clãs, internamente, é mantida uma rigorosa contabilidade entre os subclãs componentes e, em cada subclã, entre os indivíduos. No tocante aos crimes, comenta que o roubo é classificado sob dois conceitos, sendo o primeiro kwapatu (“agarrar”), palavra aplicada à apropriação ilegal de objetos de uso pessoal, ferramentas, utensílios e valores; e o vayla’u,  palavra  aplicada  ao

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roubo de alimentos vegetais dos pomares, das hortas ou das casas de inhame, também usada quando são roubados porcos e aves, sendo este último considerado o mais desprezível. No que se diz respeito ao assassinato, este é uma ocorrência raríssima. Quando um homem é morto por pessoa de outro subclã, há a obrigação da pena de Talião que, na prática, só é considerada obrigatória nos casos de homens adultos, de categoria ou importância, mesmo assim, considerada dispensável quando o falecido teve esse destino pela própria culpa; quando a vingança é evidentemente exigida pela honra do subclã, ainda assim é contornada pela substituição do sangue pelo dinheiro – o lula. Sobre a unidade do clã, diz que é uma ficção legal pelo fato de exigir uma subordinação absoluta de todos os outros interesses e laços às exigências de solidariedade do clã, enquanto, de fato, essa solidariedade está quase sempre eivada de pecados e praticamente inexiste na rotina da vida cotidiana. Por outro lado, em certas ocasiões, em especial nas fases cerimoniais da vida nativa, a unidade do clã domina tudo e, em casos de conflitos manifestos e de competição aberta, ela estará acima de todas as falhas e considerações pessoais. Aponta que a lei e a ordem vigoram como resultado de um luta constante não apenas de paixões humanas contra a lei, mas de princípios legais, uns contra os outros, sendo que tal luta não é livre, está sujeita a condições precisas, só pode ocorrer dentro de certos limites e somente na condição de permanecer abaixo da superfície da publicidade. Quando um desafio aberto se apresenta, a precedência da lei rigorosa sobre o uso legalizado ou sobre um princípio que usurpa a lei é estabelecida, e a hierarquia ortodoxa dos sistema da lei controla a questão.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE DIREITO

PROFESSOR: FABIANO

ALUNO: ISAAC AUGUSTO JUNIOR, 2º PERÍODO NOTURNO

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