TrabalhosGratuitos.com - Trabalhos, Monografias, Artigos, Exames, Resumos de livros, Dissertações
Pesquisar

Corpo Erótico E Educação Pelo Sensível: Ensaios De Uma Pesquisa Com Hilda Hilst

Por:   •  7/9/2023  •  Artigo  •  3.587 Palavras (15 Páginas)  •  37 Visualizações

Página 1 de 15

O CORPO ERÓTICO E A EDUCAÇÃO PELO SENSÍVEL: NOTAS PARA UMA PESQUISA COM HILDA HILST

Gilcilene Dias da Costa[1]

Eleazar Venancio Carrias[2]

Vulcões

O que parece estático não para de se movimentar. A maquinaria poética de Hilda Hilst fabrica, silenciosa, seu magma. Movimenta-se no silêncio, mil tocas subterrâneas contaminadas de fogo e treva. Geologia do fogo, imanência do sublime. Vulcões: impossível detê-los. Pode-se estudá-los, dar-lhes uma história, descrever sua composição e conteúdo, tentar medir sua força, imaginar sua hora de emergência – nada poderá deter as erupções vulcânicas. Pode-se, porém, observá-las atentamente, correr o risco de aproximar-se delas, sentir delas o calor, sobrevoá-las, desenhar o mapa de seu ardiloso território.

Como mapear as conexões geológicas do desejo, no plano das alianças entre literatura e educação? Como conectar o erotismo de Hilda Hilst com a Terra e, consequentemente, provocar a erupção das potências criadoras de uma Vida-outra? Que linhas de força e de fuga constituiriam o Corpo Erótico hilstiano? Que potências educativas emergem da experiência poética com a literatura de Hilda Hilst, tendo como plano comum essas conexões?

Que importância têm essas questões-convite? Não justificamos. Fazemos apostas. Acreditamos, com Rancière, que “é no terreno estético que prossegue uma batalha ontem centrada nas promessas da emancipação e nas ilusões e desilusões da história.” (RANCIÈRE, 2009, p. 12). A partir desse entendimento, tomamos a literatura como território de partilha do sensível e, portanto, como arte saudável à educação. “A literatura é uma saúde”, já dizia Deleuze (2011, p. 9). Tanto mais gozar com a literatura, tanto mais potência de escritura terá a educação – mais saúde do corpo erótico e da palavra que falta. Essa produção de saúde, entretanto, faz-se por meio de um não-saber erótico, pelo retorno de uma gramática da inocência obscena. Liberação do Corpo Erótico para romper as amarras do ressentimento e da culpa, produzindo assim a saúde necessária para a ação política e educativa.

Mais do que por objetivos, nós nos movimentamos por desejo. Um desejo múltiplo, provisório, a repetir e martelar as questões-convite já colocadas, e que pode ser resumido no seguinte bloco: a experimentação de uma educação pelo sensível como acontecimento provocado pelas erupções resultantes do Corpo Erótico hilstiano e suas fricções com a Terra. Educação capaz de fazer delirar o corpo generificado, fazê-lo voltar-se contra si mesmo, de modo que, em seu devir minoritário, apareçam os rastros de um corpo saudável desterritorializado, erótico, conectado com o devir-mulher, o devir-animal, o devir-minério etc. Educação que se realiza nas linhas de fuga à subjetivação, e como escritura de um corpo político, como enunciação coletiva.

Na direção desse desejo, escolhemos alguns intercessores: Deleuze, Guattari, Rancière, Bataille e a própria Hilst. A pesquisa com intercessores é uma interseção que se dá, em certa medida, no plano conceitual, mas principalmente no plano de intervenção ou de composição. Está além do diálogo. Deleuze e Guattari não dialogam com Kafka, eles o inventam à sua maneira, roubam-lhe fragmentos, repetições insuspeitas, fazem-no dizer o não dito.

Tomamos como referencial teórico-metodológico a cartografia de Gilles Deleuze e Félix Guattari: uma forma de pensar que escapa à representação, que não reproduz os fatos, que visa mais à experimentação do que à interpretação, que não estuda objetos e, sim, acompanha processos, “compreendendo que o método em uma pesquisa é como uma paisagem que muda a cada momento e de forma alguma é estática” (AGUIAR, 2010). Em resumo: “Não mais um caminhar para alcançar metas pré-fixadas (metá-hódos), mas o primado do caminhar que traça no percurso suas metas” (PASSOS e BARROS, 2009, p. 17). Trata-se de um procedimento avesso às metodologias cientificistas. Aqui, a pesquisa se faz no próprio ato da escrita. Não se escreve sobre, se escreve com Hilda Hilst. Escrita rizomática inteiramente voltada “para uma experimentação ancorada no real. O mapa não reproduz um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constrói.” (DELEUZE e GUATTARI, 2011, p. 30). Cartografia é feitura de mapas.

Uma transa entre a literatura e a educação. Qual procedimento? A literatura seduz a educação e lhe faz um filho por trás – como diria Deleuze (2013) –, enquanto lhe devora o corpo generificado, subjetivado. Desse coito não autorizado, obsceno e antropofágico, nascerá o Corpo Erótico, bloco de sensações a insurgir das erupções do corpo. Estas: fissuras eróticas que liberam a potência da educação pelo sensível.

“Cartografar, para Deleuze e Guattari, se configura como um procedimento de registro e análise que consiste em separar as linhas - linhas moleculares- das linhas que preservam a ordem instituída.” (OLEGÁRIO, 2015, p. 372). Primeiro procedimento para se fazer o mapa das erupções eróticas do corpo: realizar uma cartografia dos afetos.

“Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções.

Explicação. Assim, quando podemos ser a causa adequada de alguma dessas afecções, por afeto compreendo, então, uma ação; em caso contrário, uma paixão.” (SPINOZA, 2008, p. 163.)

Pensar uma educação pelo sensível

Para Rancière (2009), a partilha do sensível é

“o sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas. Essa repartição das partes e dos lugares se funda numa partilha de espaços, tempos e tipos de atividades que determina propriamente a maneira como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam parte nesta partilha” (RANCIÈRE, 2009, p. 15-16).

A respeito disso, imaginamos, com a escrita de Hilda Hilst, a beleza de um mapa dos rastros de uma partilha do sensível: de que formas o sensível se manifesta como expressão de uma comunidade (o povo que falta), e de lugares e vozes específicos ou autônomos (por exemplo, o devir-queer de Hilda).

A partilha do sensível faz ver quem pode tomar parte no comum em função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade se exerce. Assim, ter esta ou aquela “ocupação” define competências ou incompetências para o comum. Define o fato de ser ou não visível num espaço comum, dotado de uma palavra comum etc. (RANCIÈRE, 2009, p. 15-16, grifo nosso).

...

Baixar como (para membros premium)  txt (23.1 Kb)   pdf (197.1 Kb)   docx (68.2 Kb)  
Continuar por mais 14 páginas »
Disponível apenas no TrabalhosGratuitos.com