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Doutora dos Brinquedos: eu quero brincar

Por:   •  16/1/2019  •  Artigo  •  2.241 Palavras (9 Páginas)  •  148 Visualizações

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Doutora dos brinquedos? Eu quero brincar!

Considerações clínico teóricas sobre o autismo e a defesa maníaca.

        O início do atendimento clínico de uma criança, dois anos e meio de idade, com diagnóstico de autismo, foi marcado por uma situação clínica pouco reconhecida, quando associada ao Espectro do Autismo. Trata-se da impossibilidade de crianças, ainda na primeira infância, significarem, simbolicamente, a realidade interna. As flutuações comportamentais são semelhantes, quando descritas fenomenologicamente, aos sinais do Espectro do Autismo. Nesse sentido, o isolamento, a necessidade imperiosa de manter a mesmice e os transtornos da comunicação podem, na verdade, estarem relacionados à ansiedade depressiva da criança. Por meio do caso clínico de João, uma criança de dois anos e meio, diagnosticado no Espectro do Autismo, pode-se refletir a maneira pela qual essa criança conheceu um caminho subjetivo distinto do prognóstico deficitário de um quadro psicopatológico.  

INTRODUÇÃO

        

        Ao escutar o interfone para a primeira consulta o analista se deparou com uma criança franzina, no colo da mãe, chorando de forma muito descontrolada. Ele puxava os cabelos da mãe, batia no rosto dela de forma raivosa e gritava estridentemente. A mãe, desfalecida e sem graça, dizia, “doutora, ele queria ter aberto o portão”. Enquanto se desculpava, ela tentava fechar novamente o portão para que o filho pudesse efetivar a ação pretendida. Entretanto, nada adiantou pois João não aceitava uma segunda chance.

        Ainda no portão de entrada, o analista disse que ele estava muito bravo com a mamãe porque era ele quem determinava o que podia ou não ser feito. E a mãe apontou para a impossibilidade dele de compreender a comunicação pois não falava e não respondia aos comandos. Dessa forma, os dois entraram na sala de consulta e o pequeno continuava a bater de forma raivosa e descontrolada em sua mãe.

        O analista se sentou no chão, pediu à mãe para fazer o mesmo e disse: “vamos ficar aqui, quietos, sem falar com você até que possamos compreender o que você está querendo”. Expliquei à mãe que teríamos uma consulta mais longa por causa do estado emocional do João, o que não acarretaria, em absoluto, um custo financeiro adicional da consulta. É importante remarcar a questão temporal de uma primeira consulta que deve indeterminado para terminar.  Essa ação é imprescindível para o estabelecimento do setting, pois o ambiente a ser oferecido para a criança precisa ser organizado em função das necessidades presentes no momento, como no caso em questão.

        Aos poucos, João foi se acalmando e exausto, adormeceu no colo da mãe. Nesse momento, o analista começou a escutar a história de vida da criança. Foi oferecido um colchão onde a criança ficou adormecida e a mãe pôde se recompor.

HISTÓRIA CLÍNICA

        João, primeiro filho, prematuro, nasceu com baixo peso. Ficou trinta dias em incubadora e apresentou quadro alérgico ao leite. Não ganhava peso o suficiente e durante os dois primeiros anos de vida, sua curva de desenvolvimento esteve sempre abaixo do limite mínimo. Era um bebê chorão, parecia estar sempre incomodado, vomitava sempre depois das mamadas e, aos seis meses, o pediatra aconselhou  não deixa-lo deitado depois da alimentação. Devia ficar de bruços, no colo, para não vomitar. Com essa problemática dos transtornos alimentares e do baixo peso, os pais estiveram sempre muito preocupados com o filho, oferecendo-lhe uma presença constante. Nas palavras da mãe, “ele nunca ficava sozinho, eu e o pai dele revezávamos o tempo todo. E ele sempre no colo.”

        Quanto ao desenvolvimento psicomotor, João atrasou para firmar a cabeça, sentar, engatinhar e, também, para andar. Entretanto, se mostrou um bebê interessado nos objetos em torno dele, nos brinquedos, nas pessoas e atento às mudanças ambientais. A mãe acentuou o olhar atento da criança apesar do atraso das funções psicomotoras. Interesse esse que permite uma primeira ressalva em relação ao diagnóstico do Espectro do Autismo.

          Quanto à fala, João balbuciou muito pouco no primeiro ano de vida, não apontava para os brinquedos e nem para os objetos. Os pais fizeram os exames recomendados pelos médicos, cujos resultados foram negativos. Ou seja, não havia surdez e, nem tão pouco, déficit de processamento auditivo. A criança foi encaminhada para uma fonoaudióloga que, por sua vez, o encaminhou para um neurologista e/ou psiquiatra da infância.

        O diagnóstico de Espectro do Autismo foi conferido por um neurologista aos dois anos e três meses. Os sinais salientados no relatório médico foram o isolamento, a ausência da fala, a necessidade premente de manter a mesmice e a inabilidade  para relações interpessoais.

        Após esse relato, passamos a conversar sobre os sentimentos da mãe em relação ao ocorrido no início do atendimento. A mãe se emocionou e disse chorando, “eu não posso fazer nada na presença dele, ele me controla o tempo todo e me força a fazer as coisas do jeito dele.” E o mais agravante, segundo ela, não há como remediar a situação na qual ele se encontra desorganizado. Como ele queria ter aberto o portão, mesmo tendo-lhe oferecido nova oportunidade ele não aceitara a oferta de poder abri-lo. Dessa forma, a mãe se mostrou totalmente impotente para ajudar o filho a sair da crise de fúria e choro excessivo. Ela relatou que está evitando sair com o filho para ambientes sociais por  sentir vergonha das pessoas por causa dessas crises.

        Acrescentou ainda, ser João uma criança difícil, extremamente dependente, até para tomar banho precisa ficar com a porta do banheiro aberta para que ele possa vê-la, caprichoso em relação ao ambiente externo, ou seja, as ações devem acontecer segundo as expectativas dele, uma criança que não fala. A principal dificuldade dos pais era a de compreender, na grande maioria das vezes, a razão pela qual as crises ocorriam.  

         

ESTABELECIMENTO DO SETTING

        Diferentemente do relatório médico, o isolamento da criança não pareceu ser a problemática mais acentuada daquela criança. Para o analista, o mais significativo apresentado pela criança foi a necessidade imperiosa de manter um controle excessivo sobre a mãe. Uma necessidade de  controlar não apenas as ações da mãe, como a de não abrir o portão, mas o de manter o olhar dela sobre ele. Ou seja, no colo da mãe, chorando aflito, ele segurava o rosto dela com as duas mãos, de tal modo que ele pudesse olhar os olhos dela. Dessa forma, João tentava, de forma ansiosa e sofrida se assegurar do olhar da mãe para ele, o tempo todo. A mãe, em silencio, na presença do analista, não podia desviar o olhar do filho. Só dessa forma, João conseguira adormecer. Havia, por parte de João, a necessidade imperiosa de ser olhado sob um controle rígido das suas ações.

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