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Psicóticos em Análise

Por:   •  20/3/2016  •  Trabalho acadêmico  •  2.386 Palavras (10 Páginas)  •  498 Visualizações

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Psicóticos em análise

                                                                

                                                                        Stella Jimenez (EBP)

Eixo temático: Indicações e contra-indicações

 

 

 

Freud, em sua conferência de 1904, Sobre a psicoterapia, diz que a psicanálise não pode ser aplicada aos psicóticos, por serem incapazes de um estado normal. Contudo, ele abre a possibilidade de que, mediante um remanejamento do dispositivo, esta contra-indicação seja superada.

Já Jacques Lacan limita, no Seminário 3, esta contra-indicação aos chamados pré-psicóticos. Ele alerta para a possibilidade de um desencadeamento durante o processo analítico. “Acontece recebermos pré-psicóticos em análise, e sabemos no que isso resulta - resulta em psicóticos.”[1]1 Ele pensa que o surto é inerente ao fato de tomar a palavra, quando o sujeito não possui o significante que funciona como ponto de basta. Mas, já nesse seminário, verifica que os psicóticos procuram e permanecem em análise. Designa então a posição do analista como a de “secretário do alienado”[2]2, aconselhando-o a tomar ao pé da letra as palavras do sujeito psicótico. E, em relação aos pré-psicóticos, pode ser deduzida a exigência de um diagnóstico apurado para, nos casos de suspeita desta estrutura, manter o sujeito em “entrevistas preliminares”, sem pedir para deitar nem enunciar a regra da associação livre.

Na “Questão preliminar para todo tratamento possível da psicose”, Lacan estabelece as coordenadas que balizam a análise com neuróticos, definindo o Nome-do-Pai e a metáfora paterna como o que possibilita o campo interpretativo da linguagem. Levanta então novamente a questão: como dirigir a cura de psicóticos se invocar a função metafórica seria fazer aparecer Um - pai sob a forma do Impar[3], ou seja, do diferente, do terceiro, do novo?

Duas conseqüências podem ser tiradas desse texto: o analista não deve invocar a ambigüidade significante, o que seria equivalente a um chamado ao Nome-do-Pai, e deve tentar preservar as referências especulares (trabalhando face a face, por exemplo), já que, nesse texto, é teorizado que o imaginário é conseqüência do simbólico e não, como antes, um registro que dificulta o acesso ao registro simbólico.

Mais tarde, em 77, Lacan diz explicitamente que não devemos recuar frente às psicoses, uma vez que existe a possibilidade do psicótico se identificar ao sinthoma.[4]3

De fato, não recuamos. Nós, analistas lacanianos, dirigimos o tratamento de psicóticos, tanto em instituições como em consultórios particulares. Tanto de psicóticos como de pré-psicóticos, de psicoses suplementadas, compensadas, estabilizadas, sinthomatisadas, medicadas, desencadeadas. E com bons resultados ...

A questão que se impõe é se, com o remanejamento do dispositivo, os princípios da análise são preservados, ou se, ao aplicar a psicanálise à psicose, a prática se degrada em psicoterapia. É urgente então definirmos se na prática com psicóticos, são mantidos os princípios fundamentais da psicanálise. Responder invocando os conceitos da psicanálise, ou seja, que nos fundamentamos num saber referencial, no conhecimento da clínica borromeana, não é o bastante.

 

Para responder a esta pergunta precisamos analisar os seguintes pontos:

 1. O discurso do analista formulado por Lacan no Avesso da psicanálise é condição sine qua non para que uma prática possa ser considerada analítica?

         2. Se a análise com neuróticos começa quando o sujeito coloca o seu analista no lugar do Sujeito suposto saber, em que lugar o analista de um psicótico deve ser colocado para que se inicie um processo de análise?

3. A transferência estabelecida com psicóticos é uma transferência analítica? Qual é o lugar que o analista deve ocupar?

4. Existe fim de análise no caso da psicose? 

5. O que define, na clínica com psicóticos, que uma intervenção seja considerada analítica?

6. Os princípios da psicanálise, tal como definidos por Graciela Brodsky no período que antecedeu ao Congresso, são respeitados?

 

Vamos às minhas respostas:

 

1. Em relação ao discurso analítico, não é possível pensar em aplicá-lo á psicose da maneira como Lacan o conceitua no seminário O Avesso da psicanálise, já que o lugar do semblante de “a” como causa implica localizar-se num lugar êxtimo, simultaneamente situado dentro e fora do sujeito, o que, na psicose, pode ser persecutório.

Jacques-Alain Miller, na primeira aula do seminário “A experiência do real no tratamento psicanalítico”, define a psicanálise como “manipulação do semblante para aceder ao real” 4. Assim, o analista não ficaria limitado a ocupar o lugar de semblante de a, sob pena de não estar dirigindo uma análise, podendo se permitir ocupar o lugar de diferentes semblantes – evidentemente, sempre a partir de uma posição inaugural de se oferecer como objeto multiuso. Ele deveria se dispor a adotar o semblante do qual aquele sujeito possa se servir. O que já havia sido dito de certa forma por Lacan, quando, em A terceira, ele fala do analista como bufão.  

Jacques-Alain Miller continua: “essa manipulação específica do semblante constituiria um protocolo que daria aceso a um real”.[5]5 O autor se esmera em definir o que entende por protocolo, porque esta palavra pode se prestar a um mal-entendido. Protocolo poderia ser a colocação em jogo de uma etiqueta cerimonial (como no caso do protocolo diplomático), mas o sentido que interessa é o de “conjunto de regras determinando a execução de uma experiência” [6]6.  O Real que nos interessa – a nós, psicanalistas – na clínica com neuróticos é aquele que se toca como limite da interpretação. Na análise com psicóticos, aceder ao real seria poder dar um tratamento ao real do gozo em que o psicótico está imerso, ou permitir uma amarração provisória que possibilite ao sujeito abrir mão de uma suplência que não está se mostrando eficiente, passando a outra, sem ficar submerso no gozo[7].

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