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O Desenvolvimento Motor

Por:   •  15/9/2015  •  Trabalho acadêmico  •  6.475 Palavras (26 Páginas)  •  360 Visualizações

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CAPÍTULO 3

O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO MOTOR: TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS

Edison de Jesus Manoel

1. Introdução

O percurso trilhado por pesquisadores e interessados no estudo do desenvolvimento motor é longo, desde as primeiras contribuições para a compreensão desse fenômeno no século XVIII até os dias atuais. Apesar disso, questões presentes nos primórdios das investigações perduram até hoje e podem ser sintetizadas nos embates entre conceitos como maturação versus experiência, inato versus adquirido, natural versus artificial/cultural, gene versus ambiente, e assim por diante. A lista é extensa, mas todos tocam no mesmo ponto: ou o desenvolvimento envolve um desenrolar de estruturas e funções de acordo com um script pré-determinado biologicamente ou o desenvolvimento implica a aquisição de comportamentos, gerenciada pelo ambiente social em que o indivíduo vive. Nem um, nem outro. Desenvolvimento, nos últimos anos, é visto como um processo que envolve emergência, aquisição e aperfeiçoamento de funções e habilidades a partir de um script que vai sendo escrito ao longo da experiência. A extensão do script, a gramática sob a qual ele opera, é pré-determinada pela nossa natureza (biológica) humana. Respeitados esses limites anything goes!!! O desenvolvimento é, dessa forma, um processo caracterizado por um “determinismo indeterminado” (Valsiner, 1997).

As dificuldades para decidir entre essas orientações não se devem a uma indecisão crônica da área. Trata-se sim da dificuldade em se lidar com um fenômeno de enorme complexidade que abarca diferentes modos de descrição e, conseqüentemente, diferentes modos de explicação. O presente ensaio não tem a pretensão de fazer um levantamento extensivo do que tem sido realizado na área de Desenvolvimento Motor. Busca-se, por outro lado, levantar algumas questões e problemas que se entende como merecedores da atenção de quem se interessa pelo estudo do processo de desenvolvimento motor.

2. Abordagens no estudo do desenvolvimento motor

O estudo do desenvolvimento motor tem sido dominado por duas abordagens: orientação ao produto e orientação ao processo. As duas abordagens apresentam uma relação de dependência. Assim, a abordagem orientada ao produto pode ser entendida de duas formas. Ela pode consistir de estudos que descrevem mudanças nos resultados do desempenho motor (Rarick, 1982), por exemplo, os ganhos na velocidade de corrida, na distância com que uma bola é arremessada, na altura obtida num salto, na precisão (acertos e erros ou magnitude do erro) de um arremesso ao alvo. Nesse caso, a abordagem orientada ao processo corresponderia às mudanças no padrão de movimento (Rarick, 1982), por exemplo, as mudanças que ocorrem nos componentes do padrão de arremessar, preparação para o arremesso, ação do úmero, ação do antebraço, ação do tronco e ação dos pés (Roberton, 1982). Esse tipo de descrição é denominado de qualitativo e pode ser complementado ou mesmo ampliado com o registro de variáveis cinemáticas como velocidade angular do punho durante o arremesso, trajetória espaço-temporal de articulação do punho, ombro e quadril, entre outras (Oliveira & Manoel, 2002; Yan, Gregory Payne & Thomas, 2000).

A abordagem orientada ao produto também pode implicar a descrição das mudanças num dado comportamento ao longo do tempo. Nesse caso, o que importa é o tipo de pergunta: “o que está mudando?” e “quando está mudando?”. Connolly (1970) afirma que essas questões foram as que mais preocuparam os pesquisadores no período de 1930 a 1960. Esse autor vai além ao eleger a questão “como ocorre a mudança?”, a qual deveria ser central para o estudo do desenvolvimento motor. Um estudo que tem na questão do “como” o seu propósito, caracterizaria uma abordagem orientada ao processo e possibilitaria uma explicação do desenvolvimento.

Ao longo dos últimos trinta anos, encontram-se estudos nas diferentes versões das abordagens orientadas ao produto e ao processo. Há que se manter atento para o fato de que a distinção entre descrição e explicação é tênue em se tratando do estudo do desenvolvimento motor. Poder-se-ia dizer: tudo o que tinha de ser descrito no desenvolvimento motor já o foi, agora é preciso explicar como essas mudanças ocorreram. Sem dúvida, os estudos descritivos clássicos oferecem um rico conjunto de dados sobre os quais se pode especular acerca de mecanismos e processos envolvidos no desenvolvimento motor. Entretanto, quando se considera que esses estudos foram conduzidos com base na hipótese maturacional (Gesell, 1929) que dava pouca importância ao contexto, pode-se questionar até que ponto essas descrições são robustas. O comportamento apresentado não é uma função do ambiente, mas se molda às suas características. Assim, variações na seqüência de desenvolvimento, que no passado foram atribuídas à velocidade particular da maturação, podem, de fato, resultar de variações no contexto em que o indivíduo age. A consideração dos contextos físico e social pode levar a alterações na seqüência de desenvolvimento motor. Não se trata de abolir a idéia de seqüência, mas de considerar que a sua direção e as suas fases estão condicionadas ao histórico de interações que se estabelecem em diferentes níveis (Gottlieb, 1992; Lewontin, 1997) no nível interno do indivíduo (gene-gene, gene-célula, célula-célula, célula-órgão, órgão-órgão) e em relação ao nível externo (indivíduo-indivíduo, indivíduo-grupo, grupo-grupo). A consideração desses aspectos tem levado à constatação de que bebês apresentam certas competências mais cedo do que se pensava (Manoel, 1999).

Considerando-se a infinidade de variáveis orgânicas e do contexto e, igualmente, o número astronômico de interações daí resultante, pode parecer uma tarefa quixotesca e imponderável mapear o universo de variáveis intervenientes no processo de desenvolvimento. Uma estratégia para identificar como algumas dessas variáveis correlacionam-se relativamente ao estado de desenvolvimento motor do indivíduo pode ser a análise desenvolvimentista da tarefa. Herkowitz (1978) propõe essa análise para tarefas consideradas básicas e comuns ao desenvolvimento da criança, como andar, receber, chutar, correr, quicar, entre outras. Assim, verifica-se em que dimensão cada componente da tarefa pode variar. O conhecimento que nos falta é acerca do impacto que essas variações teriam na organização da resposta motora. Ainda hoje, o profissional que busca intervir no desenvolvimento da criança não possui critérios para estruturar a tarefa; só lhe resta a intuição para escalonar as variáveis da tarefa com o propósito de facilitá-la ou dificultá-la para a criança (Roberton, 1989). Logo, a exploração dos efeitos da manipulação de componentes da tarefa enseja um grande potencial de aplicação prática. Há outros, como a investigação dos possíveis efeitos dessas variações no curso do desenvolvimento. A manipulação de elementos da tarefa pode engendrar mudanças qualitativas no comportamento, a permanência das mudanças, a resistência à alteração da tarefa, bem como pode indicar a natureza e o grau de estabilidade do comportamento. Posto dessa forma, o estudo do impacto que as variações nas características da tarefa exercem sobre o comportamento reveste-se de uma relevância teórica. Ele pode revelar elementos com potencial para desencadear mudanças qualitativas no padrão de movimento. Finalmente, a aplicação da análise desenvolvimentista pode, ainda, permitir uma avaliação mais realista do estado de desenvolvimento motor de indivíduos, como foi argumentado por Davis e Burton (1991) e Ulrich (1988) no âmbito da educação física adaptada, bem como por Manoel e Oliveira (2000) na análise de padrões fundamentais de movimento.

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