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TRÂNSITO RELIGIOSO: REFLEXÃO ACERCA DO CONTATO ENTRE AS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS AFRO-AMERÍNDIAS NA PARAÍBA

Por:   •  19/5/2017  •  Artigo  •  4.916 Palavras (20 Páginas)  •  340 Visualizações

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TRÂNSITO RELIGIOSO: REFLEXÃO ACERCA DO CONTATO ENTRE

AS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS AFRO-AMERÍNDIAS NA PARAÍBA[1]

Carla Maria de Almeida[2]

Dilaine Soares Sampaio[3]

Adotando o conceito de hibridização proposto por Canclini, em que se entende por “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (CANCLINI, 2013, p. XIX), buscaremos fazer uma reflexão acerca do trânsito cultural-religioso entre as manifestações religiosas de ascendências indígena e africana ocorridas na Paraíba.

Hibridização ou hibridismo perpassa pelo contato entre segmentos culturais, em que seus aspectos transitam, combinando de diferentes formas e, gerando assim, novas estruturas. Essas novas estruturas não resultam em uma única cultura, mas sim, em várias vertentes culturais, com interações entre os sujeitos e elementos nelas contidas. No que tange à religiosidade afro-ameríndia paraibana, essa dinamização ocorre entre culturas distintas, africana/afrodescendente, indígena e europeia, que aqui se encontraram e desenvolveram, ao longo do tempo, novas estruturas religiosas.

O contato entre os africanos, afrodescendentes e nativos ocorre desde os tempos em que os negros eram arrancados de sua terra natal e escravizados, trazendo consigo apenas a memória de sua cultura e religiosidade. Apesar desse contato, a historiografia aponta que a ritualização do culto aos orixás ocorreu na Paraíba a partir da década de 1960, com a vinda da Umbanda, que incorporou-se ao Catimbó-Jurema e, posteriormente, na década de 1980, com a chegada  do Candomblé (SANTIAGO, 2008, p.3).

No estado da Paraíba, a região de Alhandra é considerada como o berço da Jurema (SANTIAGO, 2008, p.5). Na verdade, conforme já bem apurou Sandro Guimarães, a origem de Alhandra remonta ao final do século XVI e se vincula a aldeia “Iguaraig”, que seria a mesma “Aratagui”, uma aldeia indígena que teria sido construída pelos frades menores. Os indígenas que lá habitavam provinham de um aldeamento jesuíta e possivelmente eram da etnia “Tabajaras”. No início do século XVII, em 1610, a referida aldeia surge no Catálogo da Companhia de Jesus, com a denominação de Assunção, estando sob a administração dos jesuítas de Olinda. Mais de um século depois, em 1746, a aldeia passa a administração dos padres oratorianos e torna-se “aldeia de Nossa Senhora da Assunção de Arataguí”, pertencendo à freguesia de Taquara. Ao ser elevada a categoria de vila doze anos depois, ganha o nome de Alhandra. Desse processo, formaram-se as propriedades de Estiva e Acais, local que se tornou referência nacional para o culto da Jurema. Assim, a tradição da Jurema em Alhandra encontra-se diretamente vinculada as famílias remanescentes do último regente dos índios que habitavam o local, Inácio Gonçalves de Barros, em contato com as demais religiosidades presentes na região, como o catolicismo e religiosidade negra.  

Segundo Roger Bastide, o negro deslocado da África para a Paraíba, fora obrigado a aceitar a religiosidade já estabelecida, afirmando ainda que tal aceitação se dá pela semelhança entre as culturas africanas e indígenas: “se o negro pode aceitar o catimbó com tanta facilidade é porque encontrou nele a mesma estrutura mística existente em sua religião, a mesma resposta às mesmas tendências” (BASTIDE, 2011, p.149). A convivência entre negros e índios durante a escravidão era constante, desde a coabitação nas áreas de trabalho como nas fugas para as matas e quilombos. Como exemplo, temos o culto à entidade do “rei Malunguinho” [4], liderança negra que se transformou em entidade cultuada na Jurema.

De acordo com Solange Rocha (2006), o maior número de africanos escravizados presentes na Paraíba advinha dos portos do Congo e Angola, sendo, portanto, classificados como bantos[5]. Destes portos, os negros eram trazidos para o porto de Pernambuco e a partir daí, eram distribuídos para as capitanias do Norte. A autora destaca a diversidade étnica dos negros trazidos como também o contato e a relação, dentre as quais, espirituais, estabelecidas entre estes e os indígenas:

Parte-se da ideia de que os “pretos da Costa” eram procedentes de diferentes localizações da África e de diversos grupos étnicos, portadores, portanto, de múltiplas culturas, e que ao passarem a viver na América, na condição de escravizados, conseguiram reinventar-se culturalmente, articulando elementos de sua própria cultura, dos povos nativos (os brasis ou indígenas) e do colonizador, forjando novas práticas culturais. Algumas delas, como as manifestações religiosas, entre as quais o catimbó, também conhecida como jurema, um culto indígena, originalmente do século XVI, que associou características das religiões africanas e do catolicismo ibérico, e se mantém presente na Paraíba e Pernambuco. (ROCHA, 2006, p. 280).

Podemos identificar a presença de ditos feiticeiros na Paraíba durante o século XVIII. De acordo com Luiz Mott, em suas pesquisas realizadas com os Cadernos do Promotor da Inquisição de Lisboa sobre os processos inquisitoriais na Paraíba, foram registrados três casos de feitiçaria. Desses casos, dois eram protagonizados por índios e um remete ao angolano, de aproximadamente 50 anos de idade, chamado de Damião. Nesses processos também se faz referência a um quarto feiticeiro, originário do Congo “o qual era acostumado a usar certos pós de cor preta, amarela e vermelha, que soprando-os sobre uma pessoa, garantia o mandingueiro que o infeliz logo morria” (MOTT, 1999, p. 91). Apesar de não encontrar maiores registros sobre os ditos feiticeiros africanos, pode-se perceber a presença destes no Estado da Paraíba.

O catolicismo também contribuiu para a formação do Catimbó-Jurema, essa influência é visível nos rituais, com a presença dos santos e das rezas católicas. Sendo assim, o Catimbó-Jurema é originado a partir das crenças religiosas indígenas, no entanto, com forte influência da religiosidade europeia e negra. Como bem disse Câmara Cascudo,

O catimbó é o melhor, é o mais nítido dos exemplos desses processos de convergência afro-branco-ameríndia. As três águas descem para a vertente comum, reconhecíveis mas inseparáveis em sua corrida para o mar (CASCUDO, 1978, p.21).

O Catimbó-Jurema é uma prática religiosa com concepções e representações em torno da planta também denominada de Jurema[6]. Os ritos normalmente envolvem o consumo da bebida elaborada a partir dessa planta[7], no fumo do cachimbo, na defumação[8] e na incorporação de entidades, como mestres/as e caboclos/as[9], que além de serem cultuados, vem também para “trabalhar” auxiliando as pessoas em seus mais diversos males da alma e do corpo. No dizer de Gonçalves Fernandes, ainda nos anos 30, “eles fornecem rezas para os fins mais diversos que possa imaginar” (FERNANDES, 1938, p.107).

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