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Resenha O Avesso da Memória, de Luciano Figueiredo

Por:   •  30/6/2017  •  Resenha  •  1.802 Palavras (8 Páginas)  •  666 Visualizações

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Universidade de Brasília

IH – Instituto de Ciências Humanas

Departamento de História

Disciplina: História do Brasil I    

Aluna: Débora de Oliveira Sinfronio    

FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: EDUNB, 1993, 249p.

        O avesso da memória trata sobre a vida e atuação das mulheres de diversas condições (escravas, livres e forras) em Minas Gerais no século XVIII. Fruto de uma pesquisa feita por Luciano Figueiredo logo após sua graduação, no início dos anos 80, a partir de uma bolsa da Fundação Carlos Chagas, este trabalho foi considerado “pioneiro e original” (p. 10). Apesar de sua pesquisa ter sido realizada na década de 80, o livro foi publicado em 1993, época em que o campo da história social e das mentalidades tornou-se mais fértil e trouxe interpretações revisionistas que “redescobriram temas tradicionais” (p. 15).

        Conforme o próprio autor ressalta, é a preocupação com a ausência de “revisões históricas capazes de reconstruir os caminhos trilhados pela condição feminina no Brasil” (p.25), mesmo diante do avanço na luta política das mulheres, que origina o projeto de pesquisa. Diante da historiografia de sua época, que apresentava as mulheres brasileiras de forma estereotipada, como se sempre submissas a uma suposta tradição patriarcal que as colocavam sob domínio masculino, Luciano Figueiredo traz à tona uma nova perspectiva sobre as mulheres do passado colonial.

        Para tal feito, o autor usa de grande afinco na pesquisa empírica. Sua pesquisa monográfica é rica em fontes, baseada nos mais diversos tipos de documentos da época analisada – devassas eclesiásticas, cartas, registros gerais, estatutos, dentre outros. Aliás, fez uso que um arquivo até então inexplorado (o Acervo Documental da Câmara Municipal de Mariana) e um volume inédito de uma devassa eclesiástica do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Belo Horizonte.

        Luciano mostra-se preocupado em sempre falar das mulheres de forma integrada à sociedade como um todo, de sua participação social, a fim de recompor as “interligações estabelecidas entre as vendeiras e negras de tabuleiro com os ouros grupos...” (pg. 41). Dessa forma, a mulher é abordada dentro do contexto que a cercava, seja no comércio, na prostituição, na família...

        O contexto no qual estão inseridas as mulheres desta pesquisa é a Minas setecentista, do período brasileiro de mineração. A província de Minas é a escolhida por se tratar de uma sociedade com organização tipicamente urbana. As camadas sociais médias, a diversidade de atividades econômicas, e o grande contingente de pessoas de cor livres distinguiam a sociedade de Minas das outras sociedades, tipicamente agrárias, já tão estudadas.

        Ao sugerir o avesso da memória, Luciano Figueiredo vai de contrapelo à concepção de uma Minas Gerais cheia de riqueza e opulência. Seu trabalho retoma a pobreza e a miséria daquela sociedade refletida na condição de ‘desclassificados sociais’[1] da população trabalhadora.

        O livro divide-se em cinco capítulos. Em ordem de aparição: “Comércio feminino e tensão social”, “Prostituição e desordem”, “Vida familiar”, “O universo religioso” e “Poder, resistência e trabalho”, além de introdução e conclusão, anexos, relações de fontes, bibliografia, entre outros.

        No primeiro capítulo, o autor caracteriza a participação feminina no pequeno comércio através das vendeiras e das ‘negras de tabuleiro’ (termo presente nos documentos oficiais; usado para definir as mulheres que trabalhavam no comércio ambulante de alimentos).

Nesse contexto, ocorre a "transposição para o mundo colonial da divisão de papéis sexuais vigentes na Metrópole" (pg. 35), uma vez que, tanto em Portugal, quanto no Brasil, as mulheres encarregavam-se do papel de vender alimentos à população. No entanto, enquanto na metrópole tal atividade, realizada por mulheres brancas viúvas e pobres, era vista de forma positiva pela Administração, na Minas, as negras forras e escravas responsáveis por esse tipo de comércio eram constantemente perseguidas e acusadas, vistas como um perigo, uma ameaça à sociedade. Dentre as diversas acusações, dizia-se que elas, através do trabalho no comércio, violavam as áreas de mineração, causavam o desvio dos “jornais” que os escravos deveriam pagar aos seus proprietários, cooperavam e participavam da prostituição, participavam de contrabando e causavam a aglomeração das camadas empobrecidas e escravizadas etc. Nesse contexto, o trabalho das mulheres nas vendas (fixas ou volantes) significava, para as autoridades, risco, tensão e desordem social, uma que, nelas, concentravam-se negros e ‘mulatos’, escravos e forros em um local coletivo de lazer e solidariedade, não apenas de compra de gêneros alimentícios.

Diante disso, as denúncias feitas e o temor de fugas, rebeliões, danos à propriedade (o escravo), levam as autoridades a, por um lado, regulamentar os ganhos e as vendas e, por outro, restringir a presença dessas mulheres a locais específicos, longe do alcance das lavras. Diversas medidas foram tomadas ao longo do século, a fim de dar cabo ao comércio ambulante ou as vendas sob domínio de forros e escravos. Porém, as medidas não foram eficientes pois, segundo o autor, a dispersão típica do comércio ambulante limitava tais restrições.

No segundo capítulo é abordada a prostituição, outra atividade da qual as mulheres pobres (e negras, pois a documentação sobre prostitutas brancas é mínima) se ocupavam. As fontes mostram que foi na região de Minas gerais onde a prostituição tomou maiores proporções na Colônia.

Durante sua exposição, o autor vai apresentando fatores que condicionam  a prostituição em Minas; inicialmente, a falta de mulheres brancas, seguida da constante mobilidade espacial dos que trabalhavam com o ouro, o que dificultava a formação de famílias, que era acentuada pela política fiscal que, ao cobrar pesados tributos, acabavam por obrigar mulheres negras e pobres a se prostituírem para pagar o tributo ao Estado; finalmente, o autor relaciona a prostituição com a falta de oportunidades de incorporação da mulher às atividades produtivas, apesar de sua atuação no comércio. Além disso, muitas mulheres serviam de ‘alcoviteiras’. Estas abriam suas casas e vendas para os encontros clandestinos de prostituição. Portanto, a prostituição nas Minas torna-se um meio de garantir a sobrevivência, sendo a extrema pobreza “um traço comum à situação de todas as prostitutas” (p. 79).

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