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Resenha: O espelho de Heródoto

Por:   •  23/8/2017  •  Resenha  •  2.071 Palavras (9 Páginas)  •  1.618 Visualizações

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

HISTÓRIA DA AMÉRICA I

GABRIELA THEODORO E MILENA SANTOS

RESENHA DO TEXTO

O ESPELHO DE HERÓDOTO: ENSAIO SOBRE A REPRESENTAÇÃO DO OUTRO

        François Hartog, historiador francês, nascido em 1946, é professor de Historiografia Antiga e Moderna na École de Hautes Études em Sciences Sociales, seu mais recente trabalho é sobre o estudo das formas históricas de temporalização, em que o conceito ‘regime de historicidade’ ocupa lugar de destaque. Suas obras foram traduzidas em diversas línguas, o que demonstra o sucesso de seus trabalhos.

        Na obra O espelho de Heródoto: ensaio sobre a representação do outro, publicado em 1988, Hartog explicita como se constrói o outro na narrativa, e a maneira de traduzi-lo afim de que este destinatário acredite nessa construção, em outras palavras, como se anuncia o outro à um destinatário familiar, que compartilhe das mesmas formas de saber. Para que essa análise aconteça, Hartog interpreta a obra de Heródoto, Histórias, buscando marcas daquilo que ele vai chamar de “retórica da alteridade”, que seriam as regras que operam na construção do outro, este outro que se apresenta nesta obra são as amazonas e os citas, cujos quais serão abordados ao longo desta resenha.

        Hartog enfatiza a importância de se atentar as marcas de enunciação presentes na obra de Heródoto, pois essa narrativa não se apresenta de forma linear, mas de maneira complexa, com muitas informações sobre o seu próprio reflexo como narrador e sua visão do outro, subjacentes. A tese central deste texto do historiador francês, é apresentar os procedimentos para a construção de uma narrativa que transmita alteridade, e as formas apresentadas para alcançar esse objetivo serão trabalhadas a seguir.

        “Dizer o outro é anunciá-lo como diferente” (HARTOG,1999, p229) e o que nos interessa é quando estes dois elementos diferentes estão em um mesmo sistema, e são essas diferenças que definem quem eu sou e quem eu não sou.  Com o objetivo de falar sobre o outro, cria-se a retórica da alteridade, já pontuada acima, pois é preciso encontrar um meio de falar aos seus sobre outros que já não são os seus, e este é o problema do narrador, que necessita fazer uma tradução, e uma das maneiras é através da inversão, aquilo que não sou eu é portanto o outro, ou seja, meu “antipróprio”, tradução muito presente nas narrativas de viagem. Este esquema de inversão está presente nas Histórias, o que a torna mais fácil de compreender no mundo em que se conta, pois parte daquilo que eu conheço/sou – apenas invertido – sendo uma maneira de transcrever a alteridade de maneira simples, apresentando figuras para a elaboração do outro.

        Escrevendo sobre a América, Jean de Léry, no século XVI, vai do dessemelhante, da particularidade que difere, ao novo, o que justifica o nome de Novo Mundo, pois era desconhecido até então.

        Um exemplo utilizado por Hartog na tradução por inversão é o caso das amazonas e dos gregos, em que a polaridade casamento e guerra, papel feminino e papel masculino são contrapontos, onde um se apresenta como guerra ligada ao papel masculino, no outro os papeis se opõem, portanto a inversão se aplica bem, sobretudo por ser uma estrutura dual. Quando a disposição cênica é triangular dificulta esse esquema, pois se trata de uma organização mais complexa. Em seu texto, Heródoto conta a vitória das amazonas sobre os gregos e seu encontro com os citas, e o consequente nascimento dos sauromatas. Durante essa narrativa os citas tendem a transformar-se em gregos, pois seus preceitos se assemelham em muito com esta sociedade, como quando descobrem que as amazonas são mulheres e decidem não mais fazer guerra, por ter essa definição de que com mulher não se faz guerra e sim filhos.

        Hartog aponta que Heródoto não só organizava sua narrativa segundo o esquema de inversão, mas mobilizava diferentes esquemas, como a comparação e a analogia. Na comparação, se une “o mundo que se conta com o mundo em que se conta” (HARTOG,1999, p240). Comparando semelhanças e diferenças, o narrador deve utilizar termos compartilhados com o destinatário, o que na obra Histórias representam frequentemente os gregos. Além do caráter identitário, a comparação dispõe de um caráter classificatório, funcionando como tradução em uma narrativa de viagem. As comparações são elementares quando seus termos podem ser comparados diretamente, porém, quando o primeiro termo não tem equivalente no segundo, ou não pode ser comparado de forma direta, a tradução se dá por transposição. A comparação de forma analógica utiliza de termos conhecidos ao mundo em que se conta, para comparar dois termos do mundo que se conta, colocando diante dos olhos do destinatário, afim de que veja como se estivesse lá, mas dando a ver outra coisa. “Tecida do mundo em que se conta, a comparação faz ver. Diretamente: a é para b, ou analogicamente: a é para b como c é para d. Operador de tradução, ela filtra o outro no mesmo.” (HARTOG,1999, p245).

        Também na formação da retórica da alteridade, com intuito de produzir efeito de credibilidade, o narrador deve se dedicar a escrita do “thôma”, que são os relatos das maravilhas e curiosidades, muito presente na Histórias, as quais Heródoto relata para que não sejam esquecidas, pois são dignas de memória. Na descrição dos lugares, o “thôma” apresenta-se como uma tradução das diferenças entre aqui e além, em que representa a beleza e a raridade. Além de ser uma tradução da diferença, essa característica também se apresenta como um critério de classificação quantitativo, podendo ser mais ou menos extraordinário. Ligado ao olho do viajante, atribuindo efeito de realidade, e sendo um procedimento para “fazer crer” desenvolvido pela narrativa de viagem, sendo assim, “avaliar, medir, contar são operações necessárias para a tradução do thôma no mundo em que se conta.” (HARTOG,1999, p250).

        ‘Traduzir, nomear, classificar’ é o subtítulo da quarta parte do texto de Hartog aqui analisado. Ponderando cada um desses verbos podemos observar um código de transformação linguística, essencial para a retórica da alteridade visível na obra de Heródoto. A tradução visa a equivalência semântica e expressiva transposta de uma língua a outra, processo de extrema complexidade que o narrador precisa conduzir, exemplificado na narrativa de Léry, que em História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil, buscou essa equivalência, e defendendo sua tese de que não são tantas as coisas que diferem essa novas terras com as já descobertas, pois se trata de uma mesma natureza, apenas se diferem na língua, cuja qual é suscetível a ser aprendida, portanto a tradução é o que aproxima mas ao mesmo tempo difere o Antigo do Novo Mundo. Em contrapartida na obra de Heródoto “não se experimentava o desejo de chegar a conhecê-las intimamente (civilizações estrangeiras), através do domínio das línguas estrangeiras.” (HARTOG,1999, p253). As Histórias não se organizam em um sistema de tradução, mas certamente se utiliza desse procedimento, e pode ser encontrado certo número de traduções nesta obra, e estas estão fundamentalmente ligadas à atividade de nomeação. Impor ou conhecer nomes implica em determinado poder sobre o outro nomeado, e quando é preciso ser feito uma tradução de nomes comuns ou próprios e estes estão ausentes na tabela de equivalência, representam a alteridade não traduzível. “No total, os espaços em branco do ‘dicionário’ confirmam que nomear o outro implica em classificá-lo” ((HARTOG,1999, p258). Esta posição superior de classificador também reflete em si próprio, pois ao classificar o outro, classifico a mim mesmo. O objetivo da nomeação tradutora, deve ser encontrar do outro lado a identidade, e isso representa essa ação em cadeia, pois traduzir me conduz a nomear, e nomear me leva a classificar. Esta postura do viajante que nomeia, posição de podem em relação a quem o escuta e a quem ele nomeia, lembra em muito, como pontua Hartog, a experiência de Adão frente ao mundo novo. A nomeação e a classificação portanto se apresentam como “uma das molas da escrita da narrativa de viagem” (HARTOG,1999, p261).

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