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Anemia Falsiforme Estudo De CASO

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Por:   •  26/11/2014  •  10.165 Palavras (41 Páginas)  •  570 Visualizações

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Filosofia

Conceito de justiça de Aristóteles

ÉTICA ARISTOTÉLICA

A ética em Aristóteles parte do conceito de teleologia, no sentido de que todas as formas existentes tendem a uma finalidade (thélos). Nessa linha, “toda ação e todo propósito visam um bem”, entendendo-se por bem”aquilo a que todas as coisas visam”. (ARISTÓTELES, 1996, p.118)

Portanto, daí infere-se que as ações humanas também são sempre voltadas, por meio da razão, a atingir um fim, que é a busca pelo bem supremo (summum bonum). Essa busca, porém, se trata de um bem que deve necessariamente ser considerado em si mesmo, pois, como explana o Filósofo,

“se há, então, para as ações que praticamos, alguma finalidade que desejamos por si mesma, sendo tudo mais desejado por causa dela, e se não escolhemos tudo por causa de algo mais (se fosse assim, o processo prosseguiria até o infinito, de tal forma que nosso desejo seria vazio e vão), evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o melhor dos bens.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 118)

Assim, constitui a vida humana na busca de algo que está no humanamente possível, o que Aristóteles acredita ser a felicidade (eudaimonia), pois, conforme doutrinado por Bittar (2010), a noção de felicidade é criação humana, sendo plenamente alcançável e obtida pela razão teleológica.

A razão é a faculdade que distingue os seres humanos dos demais seres vivos. É por meio dela que o indivíduo se guia teleologicamente, como forma de obter o bem supremo, ou seja, a eudaimonía.

A felicidade é “a atividade conforme a excelência” (ARISTÓTELES, 1996, p. 128), e é esta “que torna o homem capaz de praticar ações nobilitantes [...]” (ARISTÓTELES, 1996, p. 134). A excelência por sua vez se classifica em excelência intelectual e excelência moral. Em seus próprios dizeres:

“certas formas de excelência são intelectuais e outras são morais (a sabedoria, a inteligência e o discernimento são intelectuais, e a liberalidade e a moderação, por exemplo, são formas de excelência moral).” (ARISTÓTELES, 1996, p. 136)

A excelência intelectual se deve tanto o seu nascimento quanto o seu crescimento à instrução (experiência e tempo), enquanto à excelência moral é produto do hábito (ethós). Logo, ninguém é virtuoso por natureza, pois isso é fruto de práticas reiteradas de ações moralmente boas e do conseqüente desenvolvimento de uma disposição da alma para o agir excelente, e não do aprimoramento das habilidades naturais.

A razão teleológica é que permite ao ser humano guiar-se pelos caminhos do meio, que se encontra entre dois extremos, o do excesso e o da falta, considerados pelo Filósofo como deficiências morais. De maneira eqüidistante entre os extremos se encontram as virtudes (areté). Cabe à razão discernir e optar pelo meio-termo de forma habitual, que cuja prática contínua e reiterada das virtudes leva à excelência moral, e por conseguinte, se atinge a felicidade.

A justiça, no pensamento aristotélico, é compreendida como uma virtude, e como tal, localiza-se no meio-termo (mesotés). Ela se difere das demais virtudes e se coloca em posição superior por ser uma virtude que manifesta na aplicação da excelência moral em relação às outras pessoas, não em relação a si mesmo.

3. CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA

O Filósofo, no Livro V da Ética a Nicômaco, trata da dikayosyne (justiça) e da aidikía (injustiça), dizendo que nas pessoas, a primeira é a “disposição da alma que graças à qual elas dispõem a fazer o que é justo, a agir justamente e a desejar o que é justo; de maneira idêntica, diz-se que a injustiça é a disposição da alma de graças à qual elas agem injustamente e desejam o que é injusto”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 193)

Introdutoriamente, considerando a justiça e a injustiça, indaga, pretendendo demonstrar sobre “quais são as espécies de ações com as quais elas se relacionam, que espécie de meio-termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é o meio-termo” (ARISTÓTELES, 1996, p. 193).

A justiça, conforme dito alhures, é considerada como a maior das virtudes, pois esta visa o “bem do outro”, relacionando-se com o próximo. Aristóteles, citando as Elegias de Têognis, diz que “nem a estrela vespertina nem a matutina é tão maravilhosa (...); na justiça se resume toda excelência” (ARISTÓTELES, 1996, p. 195).

Nas palavras de Aristóteles:

“A justiça é a forma perfeita de excelência moral porque ela é a prática efetiva da excelência moral perfeita. Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento de justiça podem praticá-la não somente a sim mesmas como também em relação ao próximo.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 195).

A ação justa se é reconhecida pelo seu contrário, ou seja, pela ação injusta, pois, “muitas das vezes se reconhece uma disposição da alma graças a outra contrária, e muitas vezes as disposições são idênticas por via das pessoas nas quais elas se manifestam”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 193).

Assim, de forma ampla, Aristóteles divide a justiça em duas classes: a justiça universal e a justiça particular.

3.1. Justiça Universal e Justiça Particular

Pela analogia dos contrários, Aristóteles conclui que

“o termo injusto se aplica tanto às pessoas que infringem a lei quanto às pessoas ambiciosas (no sentido de quererem mais do que aquilo a que têm direito) e iníquas, de tal forma que as cumpridoras da lei e as pessoas corretas serão justas. O justo, então, é aquilo conforme à lei e correto, e o injusto é o ilegal e iníquo.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 194)

Daí se extrai o conceito de justo universal, pois este é o cidadão cumpridor da lei. Trata-se de uma obediência ao nómos, ou seja, ao ordenamento jurídico expresso pelas normas, englobando também os costumes e princípios preponderantes em uma determinada comunidade.

Como magistralmente explica Bittar (2010),

“se a lei (nómos) é uma prescrição de caráter genérico e que a todos vincula, então seu fim é a realização do Bem da comunidade, e, como tal, do Bem Comum. A ação que se vincula à legalidade obedece a uma norma que a todos e para todos é dirigida; como tal, essa ação deve corresponder a um justo legal e a forma de justiça que lhe é por conseqüência é a aqui chamada justiça legal” (BITTAR, 2010, p. 130)

Explica ainda o supramencionado autor que esse é o conceito de justiça em sentido amplo, o qual, de todos os sentidos é o mais genérico, daí ser também denominado de justiça total ou integral, haja vista que tem aplicação mais abrangente e extensa, pois “as leis valem para o bem de todos, para o bem comum”. (BITTAR, 2010, p. 130)

A justiça particular é uma espécie de justiça que, ao contrário do que ocorre com a justiça universal (díkaion nominon), se corresponde a apenas uma parte da virtude e não à virtude total (BITTAR, 2010, p. 132). Portanto, o justo particular é espécie do gênero justo total.

Divide-se em duas espécies, a saber, justiça distributiva e justiça corretiva.

3.2. Justiça Distributiva e Justiça Corretiva

A justiça distributiva é a que se observa na distribuição pela polis, isto é, pelo Estado, de bens, honrarias, cargos, assim como responsabilidades, deveres e impostos (BITTAR, 2010, p. 133). Conforme dito pelo próprio Filósofo, na Ética:

“Uma das espécies de justiça em sentido estrito e do que é justo na acepção que lhe corresponde, é a que se manifesta na distribuição de funções elevadas de governo, ou de dinheiro, ou das outras coisas que devem ser divididas entre os cidadãos que compartilham dos benefícios outorgados pela constituição da cidade, pois em tais coisas uma pessoa pode ter participação desigual ou igual à de outra pessoa.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 197)

Nessa perspectiva, conforme doutrinado por Bittar (2010) o injusto seria o desigual quando há o recebimento de benefícios e encargos em quantia menor ou maior ao que lhe é devido.

“O justo nesta acepção é, portanto o proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso, um quinhão se torna muito grande e outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente fica com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fica com um quinhão muito pequeno. No caso do mal o inverso é verdadeiro, pois o mal maior, já que o mal menor deve ser escolhido em preferência ao maior, e o que é digno de escolha é um bem, e o que é mais digno de escolha é um bem ainda maior.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 199).

Em suma, a justiça distributiva é um meio termo com quatro termos na relação: dois sujeitos comparados entre si e dois objetos. Será justo, portanto se atingir a finalidade de dar a cada um aquilo que lhe é devido, na medida de seus méritos.

A justiça corretiva se difere da distributiva no sentido de que esta utiliza como critério de justa repartição aos indivíduos os méritos de cada um, enquanto aquela visa o “restabelecimento do equilíbrio rompido entre os particulares: a igualdade aritmética.” (BITTAR, 2010, p. 135).

Conforme os ensinamentos do Filósofo, a justiça corretiva

“é a que desempenha função corretiva nas relações entre as pessoas. Esta última se subdivide em duas: algumas relações são voluntárias e outras são involuntárias; são voluntárias a venda, a compra, o empréstimo a juros, o penhor, o empréstimo sem juros, o depósito e a locação (estas relações são chamadas voluntárias porque sua origem é voluntária); das involuntárias, algumas são sub-reptícias (como o furto, o adultério, o envenamento, o lenocínio, o desvio de escravos, o assassino traiçoeiro, o falso testmunho), e outras são violentas, como o assalto, a prisão, o homicídio, o roubo, a mutilação, a injúria e o ultraje.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 197).

A aplicação da justiça corretiva fica ao encargo do juiz (dikastés), que é o mediador de todo o processo. O juiz é considerado para Aristóteles, a personificação da justiça, pois, “ir ao juiz é ir à justiça, porque se quer que o juiz seja como se fosse a própria justiça viva (...) é uma pessoa eqüidistante e, em algumas cidades são chamados de ‘mediadores’, no pressuposto de que, se as pessoas obtêm o meio-termo, elas obtêm o que é justo.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 200).

Justiça segundo Aristóteles

“Justiça: descrita como disposição do caráter que funda o agir com justiça, fazendo desejar o que é justo. A atividade do homem (na ética, o seu agir) revela e ao mesmo tempo constitui o seu modo de ser (o seu caráter), explicitando-se a circularidade constitutiva entre ser (estar constituído com um determinado caráter) e o agir. Enfatiza-se a justiça não como uma qualidade dos atos do homem, mas como o seu próprio modo de ser enquanto homem sério, de caráter.”

Esta frase de Aristóteles nos mostra um pouco de sua forma de pensar e de entender o real significado de justiça. Para Aristóteles, era fácil encontrar dentro do mundo dessa palavra, várias formas de sua aplicação, de pensar ao pronuncia-la. A palavra “injusto” é usada para referir quem transgride a lei, quem quer mais do que é devido, e quem é iníquo. Justo é quem observa a lei e quem respeita a igualdade. A disposição justa, assim, comparece como observância da lei e como respeito pela igualdade, e a disposição injusta, como transgressão da lei e desrespeito pela igualdade. Não são idênticos os sentidos com que se usa a palavra “justiça” como respeito à lei e como respeito à igualdade – isso deve ficar claro sempre quando se tratar das relações entre a lei e a justiça – mas é importante assinalar como são, declaradamente e desde o início, muitos ligadas. O justo e o injusto determinam-se no horizonte da relação entre os homens, mediada pelos bens exteriores; trata-se especialmente da repartição dos bens de que depende o êxito e o fracasso.5 A justiça, como virtude do desejar dequadamente, é excelência do homem que não deseja, destes bens, nem mais nem menos do que a parte que lhe cabe, enquanto o iníquo quer demais do que é bom e de menos do que é mau.

Aristóteles defende ainda a justiça como sendo a maior das virtudes, encontrando ainda outras vias de explicitação. Aristóteles remarca que a justiça é a rainha das virtudes “não bsolutamente mas na relação com outrem”, “é a justiça perfeita porque é a prática da justiça perfeita, perfeita porque quem a possui pode usá-la para com outro”. É completa pois um homem não a usa só para si, mas também com os outros. Muitos são capazes de usar a excelência em assuntos próprios, mas são impotentes para fazê-lo na sua relação com outrem. A justiça comparece como uma virtude que, presente no homem, é um bem que também pertence ao outro, pois pela ação do justo a justiça produz o que é de interesse para outro (seja superior ou igual). Aristóteles procura chamar a atenção para a transitividade social19 da virtude da justiça, a qual, dizendo respeito à distribuição das coisas exteriores necessárias ao sucesso (honras, riquezas e cargos públicos), impõe necessariamente uma mediania a estabelecer na relação do homem com o outro. Creio, contudo, dever assinalar que esta transitividade – como a necessária referência ao outro no agir – não é uma característica exclusiva da justiça, mas é antes uma característica atribuível a todas as virtudes éticas. É possível afirmar que, pelo traço da comum referência e implicação do outro, presente em todas as virtudes éticas, todas as virtudes são uma forma de justiça.

Concluindo, a justiça, afim mas não identificada ou reduzida à lei, revela-se como uma espécie de denominador comum de todas as virtudes, enquanto que todas as virtudes, envolvendo essencialmente o outro, são formas de justiça. Isto permite compreender a afirmação de que a justiça é a virtude/excelência total, e não parte da excelência (ao mesmo tempo em que a injustiça será a perversão total, e não parte dela). Esta passagem introduz outra distinção importante quanto aos usos da palavra justiça: a que aparta a justiça especial (justiça em sentido específico) e a justiça absoluta. Trata-se aí da distinção entre a justiça como a totalidade ou a suma das virtudes (em que se aproxima da lei) e a justiça como uma entre as demais virtudes (virtude em sentido específico: uma entre as outras no catálogo das virtudes). É na distinção entre essas duas acepções de justiça que se compreende o sentido especial com que a justiça é socialmente transitiva para Aristóteles, que pergunta: como se distinguem a excelência em geral e a própria justiça?A interrogação problematiza a distinção entre a justiça em sentido específico e em sentido absoluto, e prossegue na afirmação de que “são disposições do mesmo gênero, como tais idênticas, mas [que] diferem no modo de manifestarem-se”. Enquanto a justiça manifesta-se relativamente a outrem, a excelência manifesta-se de forma absoluta. Esta passagem não depõe contra minha interpretação de que todas as virtudes (e não apenas a justiça em sentido estrito) são transitivas na sua implicação do outro. Aristóteles mesmo afirma que tanto a justiça geral como a justiça particular são relativas a outrem (e assim, como a justiça em sentido absoluto implica o conjunto das virtudes, logo todas as virtudes implicam o outro). O que especifica a injustiça particular é a sua origem no gozo obtido com o lucro, enquanto a injustiça em sentido absoluto (injustiça como resumo de todas as perversidades) atina a tudo o que diz respeito às paixões e aos desejos. O que enfim distingue a justiça em sentido estrito da justiça em sentido geral é o mesmo que distingue a justiça específica das demais virtudes éticas: todas elas implicam o outro, mas na justiça dá-se de modo peculiar a relação com o outro; no caso da justiça, a relação com o outro é mediada pelos bens exteriores. Seu horizonte é o encontro do homem com o outro ao ensejo da repartição destes bens, e sua excelência é a mediania ótima em que cada um dos envolvidos naquela situação prática recebe o que lhe cabe (a cada um os bens que lhe cabem – a cada um, o seu).

.1 A Justiça como virtude geral

Em sua tese, Aristóteles observa que no plano individual, as virtudes morais equilibram as ações de cada um, conduzindo a um justo meio-termo; assim também, no plano coletivo, atua uma virtude moral que é a Justiça. Esta procura sempre o equilíbrio e a eqüidade na comunidade política, conhecida como "Polis".

Assim, ela é o ponto de encontro da sua Ética com a sua Política. Nesse sentido as virtudes morais adquirem da Justiça sua forma plena, ou seja, o seu significado social, tornando-se esta a base da moralidade da vida política.

No tratado Ética a Nicômaco, ele observa inicialmente a virtude da Justiça, sob um aspecto legal. Desse modo, como virtude moral, ela é o sentimento interior e subjetivo que conduz o individuo à obediência do que a lei prescreve; essa é a sua primeira função. Dessa maneira, o meio-termo, é o que a legislação define entre a ação de fazer e a ação de não fazer.

A Justiça legal regula as relações sociais entre cidadãos livres e iguais, determinando que o justo meio da ação virtuosa é o tratamento igual ou, como constatamos, o que mais tarde se tornou o principio da isonomia.

Por outro lado, fica também definido que o oposto à Justiça, a injustiça ocorre da não observância da lei, e do tratamento desigual entre semelhantes, "o homem justo é aquele que se conforma à lei e respeita a igualdade; injusto é aquele que contraria a lei e a igualdade"[iv].

A legislação prescreve todos os atos de bondade e Justiça como regra e, conseqüentemente, proibindo todos os atos que vão de encontro a esse preceito; esses podemos chamar de vícios.

Ademais, cumprir a lei nada mais é do que praticar todos os atos virtuosos, individualmente e coletivamente. "Essa forma de Justiça é, portanto, uma virtude completa, não em sentido absoluto, mas nas nossas relações com os outros. É por isso que muitas vezes a Justiça é considerada como virtude mais perfeita e nem a estrela vespertina e nem a estrela matutina são mais admiradas que ela"[v].

Essa matéria tem como principal função regular as relações entre os cidadãos, exercendo uma tarefa geral, aperfeiçoando o individuo e suas virtudes, procurando o "bem" alheio.

Em resumo, a Justiça em questão é a virtude completa, pois determina o cumprimento das leis e o respeito à igualdade entre todos os cidadãos; ela é uma "virtude inteira", assim como a justiça é o "vicio inteiro".

Ele refere-se também a uma "Justiça especial", muito próxima do Estado e do Direito, a uma "Justiça comutativa" e a uma "Justiça distributiva"

Finalmente, "o homem mais perfeito não é aquele que exerce sua virtude somente para si mesmo, mas aquele que a pratica também, em relação aos outros, e isso é uma obra difícil"[vi]

Seu Pensamento

Segundo Aristóteles, a filosofia é essencialmente teorética: deve decifrar o enigma do universo, em face do qual a atitude inicial do espírito é o assombro do mistério. O seu problema fundamental é o problema do ser, não o problema da vida. O objeto próprio da filosofia, em que está a solução do seu problema, são as essências imutáveis e a razão última das coisas, isto é, o universal e o necessário, as formas e suas relações.

Segundo: metafisicamente, você pode sim considerar a existência de um motor não causado, em Aristóteles; mas de fato a ética é um sistema prático que depende mais da harmonia com a natureza, entendida a razão como natural. Sabe-se que a ética de Aristóteles é a da "meia-medida", o combate ao excessos, onde a virtude se encontra no meio termo, algo que até hoje tem muito a ver com a certa "sabedoria popular" que evita radicalismos e que, assim fazendo, nem sempre é uma sabedoria.

Entretanto, as formas são imanentes na experiência, nos indivíduos, de que constituem a essência. A filosofia aristotélica é, portanto, conceptual como a de Platão mas parte da experiência; é dedutiva, mas o ponto de partida da dedução é tirado - mediante o intelecto da experiência. A filosofia, pois, segundo Aristóteles, dividir-se-ia em teorética, prática e poética, abrangendo, destarte, todo o saber humano, racional. A teorética, por sua vez, divide-se em física, matemática e filosofia primeira (metafísica e teologia); a filosofia prática divide-se em ética e política; a poética em estética e técnica. Aristóteles é o criador da lógica, como ciência especial, sobre a base socrático-platônica; é denominada por ele analítica e representa a metodologia científica. Neste método trata Aristóteles os problemas lógicos e gnoseológicos no conjunto daqueles escritos. Limitar-nos-emos mais especialmente aos problemas gerais da lógica de Aristóteles, porque aí está a sua gnoseologia. Foi dito que, em geral, a ciência, a filosofia - conforme Aristóteles, bem como segundo Platão - tem como objeto o universal e o necessário; pois não pode haver ciência em torno do individual e do contingente, conhecidos sensivelmente. Sob o ponto de vista metafísico, o objeto da ciência aristotélica é a forma, como idéia era o objeto da ciência platônica. A ciência platônica e aristotélica são, portanto, ambas objetivas, realistas: tudo que se pode aprender precede a sensação e é independente. No sentido estrito, a filosofia aristotélica é dedução do particular pelo universal, explicação do condicionado mediante a condição, visto que o primeiro elemento depende do segundo. Também aqui se segue a ordem da realidade, onde o fenômeno particular depende da lei universal e o efeito da causa. O seu processo característico, clássico, é o silogismo. Os elementos primeiros, os princípios supremos, as verdades evidentes, consoante Platão, são fruto de uma visão imediata, intuição intelectual, em relação com a sua doutrina do contato imediato da alma com as idéias - reminiscência.

Aristóteles, entretanto, de cujo sistema é banida toda forma de inatismo, também os elementos primeiros do conhecimento - conceito e juízos - devem ser, de um modo e de outro, tirados da experiência, da representação sensível, cuja verdade imediata ele defende, porquanto os sentidos por si nunca nos enganam. O erro começa de uma falsa elaboração dos dados dos sentidos: a sensação, como o conceito, é sempre verdadeira. Por certo, metafisicamente, ontologicamente, o universal, o necessário, o inteligível, é anterior ao particular, ao contingente, ao sensível: mas, gnoseologicamente, psicologicamente existe primeiro o particular, o contingente, o sensível, que constituem precisamente o objeto próprio do nosso conhecimento sensível, que é o nosso primeiro conhecimento. Assim sendo, ela não está efetivamente acabada, mas pode-se integrar logicamente segundo o espírito profundo da sua filosofia. Quanto aos elementos primeiros do conhecimento racional, a saber, os conceitos, a coisa parece simples: a indução nada mais é que a abstração do conceito, do inteligível, da representação sensível, isto é, a "desindividualização" do universal do particular, em que o universal é imanente. A formação do conceito é tirada da experiência. Quanto ao juízo, entretanto, em que unicamente temos ou não temos a verdade, e que é o elemento constitutivo da ciência, a coisa parece mais complicada. Aristóteles reconhece que é impossível uma indução completa, isto é, uma resenha de todos os casos os fenômenos particulares para poder tirar com certeza absoluta leis universais abrangendo todas as essências. Então só resta possível uma indução incompleta, mas certíssima, no sentido de que os elementos do juízo os conceitos são tirados da experiência seu nexo, porém, é em principio analítico, colhido imediatamente pelo intelecto humano mediante a sua evidência, necessidade objetiva.

A Virtude

O mundo é concebido por Aristóteles de forma finalista, onde cada coisa tem uma atividade determinada por seu fim. O bem é a plenitude da essência, aquilo a que todas as coisas tendem (ou de uma ciência, ou arte). Assim, a finalidade da medicina é a saúde, e a da estratégia é a vitória. Contudo este bem é a felicidade, entendida não como um estado, mas como um processo, uma atividade através da qual o ser humano desenvolve da melhor maneira possível suas virtudes (formas de excelência), discutidas por Aristóteles na obra Ética a Nicômaco. As virtudes são disposições de caráter cuja finalidade é a realização da perfeição do homem, enquanto ser racional. A virtude consiste em um meio-termo entre dois extremos, entre dois atos viciosos, um caracterizado pelo excesso e outro pela falta, pela carência.

Seu mestre Platão dá um fundamento colocando a justiça como uma virtude universal com características psicológicas, políticas, éticas e jurídicas. É justiça que garante a coesão do todo e que permite e coordena toda a harmonia e hierarquia do todo social que é a comunidade. Ainda na ótica deste filósofo grego conjuga-se com várias outras virtudes morais, como a temperança, fortaleza e prudência, para o ser (indivíduo) e para a sociedade. Consiste nas virtudes morais.

A justiça é uma virtude, cabe aqui defini-la no que consiste a virtude. No livro II DE Ética a Nicômaco, Aristóteles a põe como um hábito, não sendo esse algo natural ao ser humano, nato. “Não é, portanto, nem por natureza nem contrariamente a natureza que as virtudes se geram em nós; antes devemos dizer que a natureza nos dá a capacidade de recebe-las, e tal capacidade se aperfeiçoa com o hábito”. É certo que temos uma inclinação natural (a nível de capacidade) para adquiri-la, mas não há uma imposição da natureza e nem por esta. Tal qual a técnica, o exercício é pressuposto sine qua non para o desenvolvimento de toda a virtude. “Além disso, toda virtude é gerada e destruída pelas mesmas causas e pelos mesmos meios, do mesmo modo como acontece com toda a arte: tocando a lira é que se formam os bons e os maus músicos. Isso se aplica rigorosamente aos arquitetos e a todos os demais; construindo bem, tornam-se bons arquitetos; construindo mal, maus”. (ARISTÓTELES, p. 40-41).

O Direito Natural

O Direito Natural em Aristóteles é o conjunto de princípios que possuem a mesma autoridade em todas as partes não importando a situação. Como Direito legal provinha do acordo de partes ou um pronunciamento legislativo. E como vinha de uma convenção, o pactuado nem sempre corresponde ao conceito de justo nos ditames da lex naturalis , as supremas virtudes derivadas da ética em sua substância.

O homem, em seu estado natural, dotado de uma liberdade necessária e total, buscou, na medida do que lhe era circunstancialmente possível, estabelecer seus valores e destes projetou uma tábua de valores caros a todos os viventes intragrupo, cujo esteio reside no consenso de sua aprovação dos dirigentes. A este conjunto de valores, que compõe o regramento, visando garantir as condições de conservação, organização e desenvolvimento do grupo, é que denominamos de direito. O direito natural consiste de um sistema de normas de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas do direito positivo. Ele tem validade em si, é anterior e superior ao direito positivo e, em caso de conflito, deve prevalecer. As normas que o compõem, ao longo da história, buscaram explicação em três origens diferentes: a de uma lei estabelecida por vontade divina e por esta revelada aos homens; a de uma lei emanada da natureza, comum a todos os seres animados, através do instinto; a de uma lei ditada pela razão, exclusiva do homem, que a encontra autonomamente dentro de si. São explicações bastante heterogêneas, mas que se encontram em um ponto. Todas partilham da idéia de que o direito natural é um sistema de normas anteriores e superiores à do Estado, a cujo poder fixam um limite intransponível. As normas jurídicas e ações políticas dos Estados, sociedades ou indivíduos que se oponham ao direito natural, independente de como ele é concebido, são consideradas ilegítimas, podendo ser contestadas pelos cidadãos.

Justiça Distributiva

E na visão estrutural de Aristóteles justiça distributiva se dá pela divisão dos bens e recursos comuns, devendo de acordo com a contribuição de cada ser, em uma escala geométrica de acordo com o respectivo mérito individual.

A igualdade, pois, a ser observada é proporcional, ou seja, considera-se a situação das pessoas, repartindo-se os benefícios de acordo com o seu mérito, e os encargos proporcionalmente à sua capacidade o resultado deve ter por base o critério individual, assim como na fixação do salário a ser pago ao trabalhador.

O homem sendo um "animal político" por natureza formou primeiramente a família, base da polis que se origina à priori estruturando posteriormente com sua capacidade de agregação e inter-relação deste incisivamente harmônico da sociedade. A origem, portanto é da essência humana.

Inserido no direito natural vem também a propriedade, que é de grande relevância, um elemento inerente a agregação do homem. Assim a mácula intrínseca da sociedade aliada com o axioma que são indubitavelmente inseparáveis gerando um ambiente propício para a desigualdade material onde novamente a quantidade faz a diferença entre os componentes residentes em um mesmo ambiente. Reparte-se aos seus membros aquilo que pertence a todos, assegurando-lhes participação eqüitativa no bem comum, conforme o mérito e capacidade de cada um.

Justiça Comutativa

No bojo da justiça comutativa "primitivamente, as trocas só podiam ser feitas na exata proporção das necessidades de cada qual", consta ortodoxamente no pensamento aristotélico como sendo uma máxima intransponível elevada como sendo uma lei universal eminentemente deontológica. Na justiça comutativa os escolásticos tipificam pela igualdade das coisas permutadas. Aristóteles encara como "corretiva", pois equipara todas as vantagens e desvantagens de troca entre os homens, tanto voluntária quanto involuntariamente feito.

Neste contexto, o indivíduo é estritamente colocado perante os demais, destarte a direção do ato isolado não atingiria sua finalística eivando por assim dizer o “sistema” comutativo. Este direcionamento é a essência casuística, onde a lei é a razão sem paixão que guiará os movimentos até sua resolução.

Justiça Social

Justiça é igual ao estado de espírito que nos torna apto a realizar atos justos, e aquele que desrespeita a lei comete o contrário do esperado, o injusto se apoderando da coisa de outrem... Assim o ato bom "é uma virtude completa, conforme a injustiça é um vício completo” (Livro V,) vem a ser uma forma de justiça que obedece à igualdade proporcional na repartição dos bens, considerando, contudo, não o mérito, mas necessidades essenciais dos seus membros.

O homem que interessa ao direito não é o homem natural, mas o social importa ao direito a realidade social que é heterogênea e dinâmica.

Disso tudo resulta forçosamente uma desproporção, uma oposição entre a regra e as necessidades sociais, revelando-se as normas rigorosas demais para um caso específico.

A função da equidade, então, é atenuar, e mesmo eliminar esta oposição. Trata-se, na verdade, de “humanizar” o direito positivo e de flexibilizar a rigidez exterior das regras jurídicas. Mediante “juízos de equidade”, se amenizam as conclusões esquemáticas da regra genérica, tendo-se em vista a necessidade de ajustá-la às particularidades que cercam certas hipóteses da vida social. Por isso, Aristóteles comparava a equidade à “RÉGUA DE LESBOS”, régua especial de que se serviam os operários para medir certos blocos de granito; por ser feita de metal flexível, podia ajustar-se às irregularidades do objeto; “a régua adapta-se à forma da pedra e não é rígida, exatamente como o decreto se adapta aos fatos” (Aristóteles). Flexível como a régua de Lesbos, a equidade não mede apenas aquilo que é normal, mas também as variações e curvaturas inevitáveis da experiência humana.

O contexto jurídico no cotidiano grego

As manifestações humanísticas vividas no bojo e cultivadas pela sociedade helênica buscam um raciocínio do equilíbrio, da simetria, da harmonia, dentro de um pluralismo – podemos exemplificar a filosofia como busca da existência do ser, a oratória através dos retóricos, e por fim o teatro em suas mais variadas formas de representação em trágicas.

“A experiência resultante desta interação sociocultural não só consentiu o refinamento do espírito racional e a maturação do homem enquanto ser pensante, que se pluraliza para reagir aos estímulos sociais, como, também, facultou-lhe a possibilidade de criação da realidade enquanto fenômeno dinâmico, em conexão com o próprio evolver da razão.” (BITTAR, 1998. p.33)

Podemos considerar o direito grego extraído do cotidiano empírico, uma vez que a realidade da prática forense consistia na aplicação dos preceitos políticos criados (estes desconsiderados em seu sentido mais amplo, através da criação legislativa, costumes, sua efetivação através da jurisdição...). Esta visão concatenada do todo teve uma imensa contribuição no plano teórico, uma vez que a Paidéia social fundiu a cultura e consolidou normas e princípios que consideram a política e a moral em consonância com aquilo já estabelecido (no campo filosófico).

“A presença de questões jurídico-filosóficas no pensamento grego não obliterou o desenvolvimento de uma prática jurídica regular. Em verdade, o que ocorreu foi o encaminhamento das discussões não para o campo da dogmática ou da técnica, mas para o da interrogação filosófica, que elabora conceitos absolutos, generalizando a problemática em estudo.” (BITTAR, 1998. p.35)

A filosofia foi contundente no pensamento grego acerca do direito, com a inclusão do sentido de justiça na ordem social – encontrando respaldo na anuência do cidadão, onde o “Direito” e “Justiça” são termos utilizados com o mesmo fim.

“Tendo presente tais considerações, o pensamento aristotélico de justiça deve ser estudado sob três óticas: em princípio, sobre a do historiador que situa o autor em um contexto preciso; em segundo, sob a do sociólogo, que vislumbra o condicionamento cultural e o intercâmbio entre sociedade e homem; por último, sob a do filósofo, que maneja as ferramentas da razão para a adequada interpretação conceptual do pensador de acordo com a teoria e os princípios gerais elaborados por esse mesmo. Não bastando, também a análise etimológica, aliada a uma noção evolutiva da terminologia que envolve o tema, fazendo-se necessária, dado que o fenômeno lingüístico representa o poder expressivo-comunicativo humano Pensa-se, dessa forma, poder esclarecer a temática da justiça como concebida dentro do universalista, realista e complexo pensamento de Aristóteles.” (BITTAR, 1998. p.55)

IMMANUEL KANT

Liberdade e justiça em Kant

A liberdade é consagrada como um dos pilares do Estado Democrático do Direito. Não há justiça consolidada sem a liberdade, em suas diferentes formas. Liberdade de expressão, de imprensa, de opinião, de associação, de ir e vir, de escolha e tantas outras são essenciais ao exercício da cidadania plena. O mês de abril é muito importante para os brasileiros, e em especial aos mineiros, porque comemoramos, no dia 21 de abril, a inconfidência mineira e seus ideais libertários. Tiradentes, o mártir do referido movimento libertário, foi enforcado e esquartejado, mas deixou, sobretudo, a lição de que nenhuma autoridade ou força sobrepõe-se à liberdade e a justiça.

Podemos afirmar que abril é o mês da liberdade, porque também comemoramos o nascimento de Kant, filósofo que, em seu trabalho, associou concepções de justiça e liberdade. IMMANUEL KANT, filósofo alemão, nasceu em 22 de abril de 1724 e morreu em 12 de fevereiro de 1804, aos 80 anos. Era filho de seleiro e sua família era muito fervorosa em sua fé cristã, razão pela qual a convicção religiosa do próprio Kant foi um elemento muito importante para a sua filosofia. Kant conseguiu encontrar uma saída para o impasse a que a filosofia tinha chegado através da briga entre racionalistas e empíricos. A lápide de seu túmulo em Konigsberg traz escrita uma de suas citações mais conhecidas: “Duas coisas me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e freqüentemente o pensamento delas se ocupa: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim”. Aí estão os grandes enigmas que o moveram. Kant conhecia muito bem tanto os racionalistas quanto os empíricos. Para os racionalistas, a base de todo conhecimento humano estava na consciência do homem. Os empíricos queriam derivar das impressões dos sentidos todo conhecimento do mundo. Kant achava que todos tinham um pouco de razão. Depois de um longo período como preceptor e professor secundário, começou em 1755 a carreira universitária, ensinando ciências naturais. Em 1770 foi nomeado professor catedrático da universidade de Konigsberg, cidade da qual nunca saiu, levando vida dedicada aos estudos filosóficos.

Até Kant, a concepção de liberdade era conceituada como uma faculdade de escolher, ou seja, o livre arbítrio. O conceito de liberdade de Kant não se identifica com conceito de liberdade natural (fazer o que se quer) e nem com o de livre arbítrio. Recebeu de Rousseau a idéia de liberdade definida como autonomia na esfera política e interiorizou-a, fazendo dessa autonomia também liberdade moral do indivíduo. Para Kant, o bem é o que resulta da razão na medida em que ela determina a ação. A liberdade não se liga a felicidade, nem se determina a um bem externo a ela, já que é autônoma.

Kant mostrou que o homem precisa ser pensado na esfera da liberdade, idéia central de sua vida. O método de Kant para conceber a natureza humana foi diverso do de Rousseau. Rousseau procede sinteticamente partindo do homem natural. Kant, por sua vez, parte do homem submetido às leis éticas (analiticamente). Rousseau não diferencia os conceitos de ser e dever ser. Para ele a natureza é o estado originário de que sai o homem e ao mesmo tempo, o fim a que ele volta. Kant distancia o conceito de ser e dever ser. Kant contribuiu ao colocar a “liberdade como o ponto central em torno do qual o homem gira”, que fundamenta a autoridade, na medida em, que esta não se volta contra ela.

Kant teve como conteúdo do seu ideal de justiça, a liberdade, expressão da identidade entre o pensamento e a vontade, que ele chamou de consciência moral e, na esfera do direito, “vontade geral”. A liberdade, como autonomia, é o centro da filosofia prática de Kant, não simplesmente a lei (ou o dever ser) como algo dela separado, ocupando lugar central do seu pensamento. A idéia de liberdade é colocada por Kant no centro do seu conceito de justiça, seguida de igualdade, em função das quais, somente, pode ser pensado o conceito de ordem na sociedade.

Concluindo, a liberdade é o único direito natural reconhecido como igual para todo homem na humanidade. A liberdade externa de todos os indivíduos é limitada por um princípio de igualdade, no sentido de compatibilizá-la e tornar a sociedade organizada. A lei que realiza a liberdade no sentido de autonomia, ou seja, a lei que cada vez mais se aproxima do princípio de racionalidade, criando uma legislação jurídica universal, é justa. Parabéns, no mês de abril, a todos que lutam, de diferentes modos, pela liberdade do homem.

Kant - teoria do conhecimento: A síntese entre racionalismo e empirismo

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O filósofo alemão Immanue Kant responde à questão de como é possível o conhecimento afirmando o papel constitutivo de mundo pelo sujeito transcendental, isto é, o sujeito que possui as condições de possibilidade da experiência. O que equivale a responder: "o conhecimento é possível porque o homem possui faculdades que o tornam possível". Com isso, o filósofo passa a investigar a razão e seus limites, ao invés de investigar como deve ser o mundo para que se possa conhecê-lo, como a filosofia havia feito até então.

Mas quais são exatamente, segundo Kant, estas faculdades ou formas a priori no homem que o permitem conhecer a realidade ou, em outros termos, o que são essas tais condições de possibilidade da experiência?

Em Kant, há duas principais fontes de conhecimento no sujeito:

 A sensibilidade, por meio da qual os objetos são dados na intuição.

 O entendimento, por meio do qual os objetos são pensados nos conceitos.

Vejamos o que ele quer dizer com isso, começando pela intuição. Na primeira divisão da Crítica da Razão Pura, a "Doutrina Transcendental dos Elementos", a primeira parte é intitulada "Estética Transcendental" (estética, aqui, não diz respeito a uma teoria do gosto ou do belo, mas a uma teoria da sensibilidade). Nela, Kant define sensibilidade como o modo receptivo - passivo - pelo qual somos afetados pelos objetos, e intuição, a maneira direta de nos referirmos aos objetos.

Funciona assim: tenho uma multiplicidade de sensações dos objetos do mundo, como cor, cheiro, calor, textura, etc. Estas sensações são o que podemos chamar de matéria do fenômeno, ou seja, o conteúdo da experiência. Mas para que todas estas impressões tenham algum sentido e entrem no campo do cognoscível(daquilo que se pode conhecer), elas precisam, em primeiro lugar, serem colocadas em formas a priori da intuição, que são o espaço e o tempo.

Estas formas puras da intuição surgem antes de qualquer representação mental do objeto; antes que se possa pensar a palavra "cadeira", a cadeira deve ser apresentada, recebida, na forma a priori do espaço e do tempo. Este é o primeiro passo para que se possa conhecer algo.

Assim, apreendemos daqui duas coisas: primeiro, o conhecimento só é possível se os objetos da experiência forem dados no espaço e no tempo; e, segundo, espaço e tempo são propriedades subjetivas, isto é, atributos do sujeito e não do mundo (da coisa-em-si).

Espaço e tempo Espaço é a forma do sentido externo; e tempo, do sentido interno. Isto é, os objetos externos se apresentam em uma forma espacial; e os internos, em uma forma temporal.

Como Kant prova isso? Pense em uma cadeira em um espaço qualquer, por exemplo, em uma sala de aula vazia. Agora, mentalmente, retire esta cadeira da sala de aula. O que sobra? O espaço vazio. Agora tente fazer contrário, retirar o espaço vazio e deixar só a cadeira. Não dá, a menos que sua cadeira fique flutuando em uma dimensão extraterrena.

E o tempo? Ele é minha percepção interna. Só posso conceber a existência de um "eu" estando em relação a um passado e a um futuro. Só concebemos as coisas no tempo, em um antes, um agora e um depois. Voltemos ao exercício mental anterior: podemos eliminar a cadeira do tempo - ela foi destruída, não existe mais. Porém, não posso eliminar o tempo da cadeira - eu sempre a penso em uma duração, antes ou depois.

A conclusão é de que é impossível conhecer os objetos externos sem ordená-los em uma forma espacial - e de que nossa percepção interna destes mesmos objetos fica impossível sem uma forma temporal.

Além disso, espaço e tempo preexistem como faculdades do sujeito - e, portanto, são a priori e universais - quando eliminamos os objetos da experiência. Por isso, segundo Kant, espaço e tempo são atributos do sujeito e condições de possibilidade de qualquer experiência.

As categorias Na segunda parte da "Doutrina Transcendental dos Elementos", a "Analítica Transcendental", Kant analisa os conceitos puros a priori do entendimento, pelos quais representamos o objeto.

Vamos rever o esquema do conhecimento, antes de avançar. Temos objetos no mundo, que só podemos conhecer como fenômenos, isto é, na medida em que aparecem para o sujeito. Fora do sujeito, como coisa-em-si, estão fora do alcance da razão.

Mas, para serem fenômenos, estas coisas precisam, antes de tudo, aparecer no espaço e tempo, que são faculdades do sujeito. Vejo uma árvore. Esta árvore eu vejo em suas cores e formas, que são as sensações deste objeto. Estas sensações são recebidas e organizadas pela intuição no espaço e no tempo. Esta é a primeira condição para o conhecimento.

O segundo momento, depois de o sujeito receber o objeto na intuição, na sensibilidade, pela faculdade do entendimento ele reunirá estas intuições em conceitos, como, por exemplo, "Árvore" ou "A árvore é verde". Esta é a segunda condição para o conhecimento.

Os conceitos básicos são chamados de categorias, que são representações que reúnem o múltiplo das intuições sensíveis. As categorias, em Kant, são 12:

1. Quantidade: Unidade, Pluralidade e Totalidade.

2. Qualidade: Realidade, Negação e Limitação.

3. Relação: Substância, Causalidade e Comunidade.

4. Modalidade: Possibilidade, Existência e Necessidade.

São formas vazias, a serem preenchidas pelos fenômenos. Os fenômenos, por outro lado, só podem ser pensados dentro das categorias.

Em Hume, a causalidade - relação de causa e efeito - era um hábito, uma ilusão. Já para Kant, Hume estava errado em procurar a causalidade na Natureza. Só podemos pensar as coisas em uma relação de causa e efeito porque a causalidade está no sujeito, não no mundo. Uma criança vê uma bola sendo arremessada (causa) e olha na direção de quem atirou a bola (efeito). Como a criança liga um fato com o outro? Porque ela possui, a priori, a categoria de causalidade, que a permite conhecer.

Chegamos, portanto, a uma síntese que Kant faz entre racionalismo e empirismo. Sem o conteúdo da experiência, dados na intuição, os pensamentos são vazios de mundo (racionalismo); por outro lado, sem os conceitos, eles não têm nenhum sentido para nós (empirismo). Ou, nas palavras de Kant: "Sem sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas."

IMMANUEL KANT

Königsberg, 1724 - idem, 1804

Filósofo alemão. A vida de Kant não tem nada de extraordinário e bem pode dizer-se que encarna as virtudes (e talvez o aborrecimento) de uma vida integralmente dedicada ao estudo e ao ensino. Homem piedoso e de profunda religiosidade, que se revela na sua obra, é sóbrio de costumes, de vida metódica, benévolo e provinciano (só uma vez na sua vida deixa a sua Königsberg natal, e não mais de 12 km).

Profundamente imbuído dos ideais do Iluminismo, experimenta profunda simpatia pelos ideais da Revolução Francesa e da independência americana. É pacifista convencido, antimilitarista e alheio a qualquer forma de patriotismo exclusivista.

A exigência da clarificação do pensamento kantiano é tal que apenas a partir dessa postura se tem capacidade para examinar o seu sentido e alcance nos campos da teoria do conhecimento e da filosofia da ciência. Kant está intelectualmente situado numa encruzilhada, a partir da qual elabora diversas interpretações da razão, ponto de partida do pensamento moderno de onde se determinam a) a acção moral, b) o trabalho científico, c) a ordenação da sociedade, e d) o projecto histórico em que a sociedade se encontra.

Não é possível redigir-se aqui uma exposição do sistema filosófico de Kant, coisa que requer todo um volume. Basta assinalar que o grande objectivo de Kant é determinar as leis e os limites do intelecto humano para ousar enfrentar, por um lado, o dogmatismo arrogante daqueles que sobrestimam o poder da mente humana e, por outro lado, o absurdo cepticismo daqueles que o subestimam. «Apenas deste modo [ou seja, por meio de uma crítica que determine as leis e os limites da razão humana] poderão arrancar-se as raízes do materialismo, do fatalismo e do ateísmo.» E propõe-se, com isso, «pôr fim a toda a futura objecção sobre a moralidade e a religião, apresentando as mais claras provas da ignorância dos seus adversários».

Quanto ao seu sistema filosófico, o mesmo sugere um paralelo com Copérnico. Kant imagina para a filosofia o mesmo que imagina Copérnico para a astronomia. Assim como Copérnico determina a importância relativa e a verdadeira posição da Terra no sistema solar, Kant determina os limites e a verdadeira posição do intelecto humano relativamente aos objectos do seu conhecimento. E do mesmo modo que Copérnico demonstra que muitos dos movimentos aparentes dos corpos celestes não são reais, mas que se devem ao movimento da Terra, Kant mostra que muitos fenómenos do pensamento requerem explicação, mas não atribuindo-os, como muitos filósofos, a causas externas independentes, mas às leis essenciais que regulam os próprios movimentos do pensamento.

Kant encarna a razão ilustrada. Expressa com clareza e exactidão o carácter autónomo da razão tal como a concebem os iluministas. O iluminismo é o facto que leva o homem a deixar a menoridade; menoridade de que ele mesmo é culpado. A referida menoridade consiste na incapacidade para se servir do próprio entendimento sem a direcção de outro. A própria pessoa é culpada dessa menoridade se a causa da mesma não reside num defeito do entendimento, mas na falta de ânimo e de decisão para se servir dele com independência, sem a condução de outro. Sapere aude, «atreve-te a servir-te do teu próprio entendimento»: tal é a divisa do iluminismo.

Quanto aos limites da razão, são impostos pela sua própria natureza. A razão é uma e a mesma para todos os povos, homens, culturas e épocas, e tem uma essência ou natureza fixa que se desenvolve no tempo, mas sempre segundo a sua própria essência.

Por outro lado, a razão iluminista é crítica (contra os preconceitos, contra a tradição, contra a autoridade não racional, contra a superstição). Assim compreendida, não é uma mera negação de certas dimensões da realidade e da vida, ou de questões como a legalidade política, a religião ou a história, mas a recusa de um modo de as entender que se opõe à ideia de clarificação racional. A razão ilustrada é, além do mais, tolerante. Como dizia Voltaire, a tolerância é o património da razão.

A razão tem uma natureza própria e, além disso, é o instrumento ou meio de conhecer como interpretar o mundo e exercer a crítica. A razão iluminista é analítica no sentido em que é 1) capacidade de adquirir conhecimentos da experiência e 2) capacidade de analisar o empírico tentando compreender, numa aliança entre o empírico e o racional, a lei que governa.

Em termos gerais, o pensamento kantiano é uma tentativa original e vigorosa de superar e sintetizar as duas correntes filosóficas fundamentais da modernidade: o racionalismo e o empirismo. Mas a obra de Kant vai mais além, e nela entrecruzam-se todas as correntes que constituem a trama do pensamento do século XVIII. É, pois, o filósofo mais representativo deste período.

O criticismo de Kant é uma filosofia que tenta responder a três perguntas básicas: Que posso saber?, Que hei-de fazer?, Que posso esperar?

Que posso saber? Para o conhecimento universal e necessário ser possível, e dado que não pode provir da experiência, é preciso que os objectos do conhecimento se determinem na natureza do sujeito pensante, e não ao contrário. A Crítica da Razão Pura de Kant leva a cabo esta revolução do método e mostra como o entendimento, ao legislar sobre a sensibilidade e a imaginação, torna possível uma física a priori. Mas, se a natureza está submetida ao determinismo, pode o homem ser livre? Kant leva a cabo a revolução copernicana no terreno prático postulando a existência de uma alma livre animada por uma vontade autónoma.

Que hei-de fazer? «Actua estritamente segundo a máxima que faz que possas desejar simultaneamente que se converta numa lei universal.»

Que posso esperar? Para a espécie humana, o reino da liberdade garantido por uma constituição política. Para o indivíduo, o progresso da sua virtude e um melhor conhecimento do outro e de si mesmo através da arte.

No que se refere ao idealismo, a filosofia kantiana lega aos seus sucessores três grandes problemas: 1) a sua concepção do idealismo como idealismo transcendental; 2) a oposição entre a razão teórica e a razão prática, e 3) o problema da coisa em si.

A filosofia posterior a Kant assume até às suas últimas consequências a razão crítica. Os filósofos esforçam-se por desenvolver as teses kantianas na linha da razão prática. Tanto o idealismo subjectivo de Fichte como o idealismo objectivo de Schelling são tentativas muito meritórias nessa linha. Mas a superação do kantismo não se consegue até à formulação do sistema de Hegel.

As obras de Kant costumam distribuir-se por três períodos, denominados pré-crítico, crítico e pós-crítico. O primeiro momento corresponde à sua filosofia dogmática, à sua aceitação da metafísica racionalista, na peugada de Leibniz e de Wolff. No segundo período escreve as suas obras mais conhecidas e influentes: Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e a Crítica do Juízo. Além destas grandes obras, Kant publica diversos estudos e opúsculos. Pelo vigor e originalidade do seu pensamento e pela sua influência sobre o pensamento filosófico, Kant é justamente considerado um dos filósofos mais notáveis da cultura ocidental.

Martin Heidegger

Filósofo alemão

Biografia de Martin Heidegger:

Martin Heidegger (1889-1976) foi um filósofo alemão da corrente existencialista. Foi considerado um dos maiores filósofos do século 20. Exerceu grande influência em intelectuais como Jean-Paul Sartre.

Martin Heidegger nasceu em Meßkirch, distrito de Baden. Quis inicialmente ser padre e cursou teologia na Universidade de Freiburg, onde foi aluno de Edmund Husserl, teórico e filósofo criador da fenomenologia.

A partir da influência que adquiriu do professor Husserl, escreveu o livro que marcaria a sua vida, o “Ser e Tempo”. Em 1933, ocupou a cátedra deixada pelo seu mestre.

Heidegger adotou postura a favor do nazismo quando Hitler assumiu o poder, enquanto já era reitor de Freiburg.

O nacionalismo político de Hitler fazia-se presente nas obras de Heidegger, que isolou-se na floresta negra para escrever o “Ser e o Tempo”,(1927) sua obra mais marcante.

A teoria de Heidegger baseia-se na ideia de que o homem é um ser que busca aquilo que não é. Seu projeto de vida pode ser eliminado pelas pressões da vida e pelo cotidiano, o que leva o homem a isolar-se de si mesmo.

Heidegger também trabalhou o conceito de angústia, a partir do qual o homem transcende suas dificuldades ou deixa-se dominar por elas. Assim, o homem seria um projeto inacabado.

Heidegger escreveu trabalhos importantes sobre a linguagem criadora e a poesia. Outras obras relevantes que escreveu: “Kant e o problemas da metafísica” (1929), “Introdução à Metafísica” (1953) e “ Que é Isto - A Filosofia?“ (1962).

A obra de Martin Heidegger (1889-1976) é marcada por sua insistência em apelar para uma radicalização do pensamento metafísico tornou-o um dos filósofos mais célebres do século XX.

À exceção de Ser e Tempo (1927), que ficou inacabado, todos os outros textos de sua autoria foram publicados na íntegra, em língua moderna (alemã) e durante sua vida. Se as teses e idéias de Heidegger são obscuras, isso deve-se a sua maneira hermética de reinterpretar os termos metafísicos, a partir de um retorno à origem helênica da discussão sobre o ser e o pensar. Por vezes, esbarra-se na dificuldade de traduzir o significado de suas palavras e conceitos, devido à interpretação inovadora que ele impõe aos termos das línguas grega e alemã.

Palavras como physis (em grego, "natureza"), dasein (em alemão, "ser-aí"), ousia ("substância"ou "essência" grega) e zeit ("tempo", alemão), por exemplo, fazem parte de um vocabulário que já não é mais o dos helenos e alemães, mas sim heideggeriano. Isso porque, a linguagem, para esse autor, será o elemento mais característico da essência humana. E só através de uma linguagem apropriada pode aflorar a verdade de todas as coisas, pondo às claras o fundamento de tudo. A metafísica de Heidegger procurava, então, retomar o questionamento do ser e a busca de seu fundamento, por intermédio da linguagem originária.

Nesse sentido, a linguagem, comparada ao logos helênico, é a base do real sobre a qual os fenômenos se expõem com clareza. O homem, enquanto portador da língua, é um ser privilegiado para responder como o "ser-aí" deve ser compreendido na sua condição temporal. Contra a vertente aristotélica da metafísica, que faz com que o homem perca sua humanidade, ao ser considerado um ente entre os demais, Heidegger procura mostrar que as relações das coisas existentes é provisória e atrelada ao tempo em que elas ocorrem. O fenômeno, ao manifestar-se no tempo, portaria o sentido do ser. Ao passo que o homem, com sua linguagem, concebido como contemporâneo do ser, em sua existência ao lado do ser, proporcionaria a oportunidade de entendimento desse "ser-aí" presente no tempo, não como um objeto de estudo fixo, constituído por diversas categorias reificadoras - que transformam o ser em uma coisa sujeita à experiência concreta. Ao se manifestar de vários modos o ser revelaria a sua essência no tempo, ao contrário da concepção aristotélica que visava sua classificação, de acordo com as diversas maneiras de existir atemporais. Heidegger entendia o homem como aquele ser portador da verdade e que sua essência seria a preservação dessa verdade, por intermédio de um pensar radical, calcado na origem do pensamento pré-socrático. A nova metafísica proposta por ele supõem haver um único significado autêntico do ser, a saber, aquele cuja essência se encontra na temporalidade própria. Qualquer outra forma de reconhecimento do ser, baseada numa técnica de pesquisa científica, provocaria o esquecimento e a ocultação da verdade do ser.

A Presença do Ser

O conceito de Dasein, traduzido por "ser-aí", assume um papel fundamental na metafísica heideggeriana. É o "ser-aí"que permite o entendimento do ser, a partir do próprio ser em três níveis de conhecimento. No nível ôntico, o "ser-aí" seria determinado pela presença do ser, entre os entes. No estágio ontológico, o "ser-aí"é compreendido como existência num tempo determinado, "aí", fundamentando o ser. Por fim, na esfera ôntico-ontológica, o "ser-aí"determinar-se-ia pelo ser em sua atuação no mundo, princípio de realização de todas ontologias tradicionais. A despeito dessas três etapas de conhecimento do ser, Heidegger vai propor uma nova ontologia que se funde na verdade do ser irredutível a sua entificação e prática cotidiana.

"Ser-aí" é aquilo que é característico do homem. Só o homem, na concepção heideggeriana, existe como um "ser-aí"capaz de revelar-se, sem se esgotar ou identificar com ele. O homem teria a possibilidade de trazê-lo à luz e apresentar-se enquanto tal, ou seja, sendo um ser que se mostra no tempo. Por ser dotado de linguagem, o homem tem a condição necessária para a manifestação do próprio ser no tempo, não como objeto tradicional das ciências e filosofia ocidental, mas na forma de uma subjetividade entrelaçada, na qual sujeito e objeto se mesclam em um pensamento originário.

Talvez essa seja a grande contribuição crítica de Heidegger à filosofia. Ele foi um dos primeiros a tentar superar a relação Sujeito-Objeto, na qual a filosofia - notadamente a Teoria do Conhecimento - havia se detido. Foi pioneiro ao propor uma alternativa para o impasse para o qual a modernidade caminhava, apontando as dificuldades que tal dicotomia proporcionava à compreensão metafísica do ser. Ao chamar atenção para a linguagem como veículo de manifestação do ser, Heidegger queria dizer que tanto nos significados das palavras, como nos sons que elas transportavam, haveria um ser que fala por intermédio da língua.

Sobre o Humanismo

Na época em que a Carta Sobre o Humanismo fora impressa - em 1947, logo após o final da Segunda Guerra Mundial (1939-45) - a primeira parte da extensa obra de Heidegger já havia sido divulgada. Enquanto isso, na França de 1943, Jean-Paul Sartre publicara "O Ser e o Nada", fato que marcaria o advento do existencialismo francês. Heidegger, no entanto, sempre manteve-se desvinculado da corrente existencialista, não só porque era contra qualquer classificação do pensamento, mas, sobretudo, por causa do papel fundamental exercido pelo conceito de "nada", entre os franceses - para quem o nada poderia gerar a sensação de náusea existencial. Em Introdução à Metafísica (1953), ele irá propor a pergunta metafísica fundamental "porque há simplesmente o ser e não antes o nada?"(1) justamente para mostrar que toda confusão imposta ao conhecimento do ser ocorre por se supor que o nada nadificante possa existir em algum ente. Para Heidegger, essa noção de nada seria capaz de obscurecer o ser ao se tornar mais um ente entre os outros, fator pelo qual a questão metafísica fundamental não pudera ser respondida, até então, pela filosofia ocidental.

Além disso, embora Heidegger já tivesse um renome respeitado no continente europeu, jamais ele escrevera uma obra com o teor explicitamente "humanístico" e "ético". Sua vinculação ao partido nazista, até o final da guerra, tornava ainda mais suspeitas as intenções do autor de Ser e Tempo. Diante desse cenário, Jean Beaufret, existencialista francês que tentava relacionar a obra de Heidegger ao existencialismo, escreve uma carta pedindo ao pensador alemão que ele esclarecesse qual significado poder-se-ia dar ao humanismo abalado por duas guerras mundiais sucessivas.

Carta Sobre o Humanismo é, portanto, a resposta dada por Heidegger às indagações de Beaufret. Em linhas gerais, o filósofo alemão irá propor, tendo por base o fragmento 119 de Heráclito(2), que a ética abandone o moralismo superficial e o legalismo dos códigos de costumes e procure encontrar a sua raiz na morada do próprio ser humano. A partir da compreensão radical da morada do ser no homem, seria possível entender como emergem todos os comportamentos e costumes cotidianos de cada um.

Logo no primeiro parágrafo da Carta, a essência do agir - tema da ética é relacionado com o consumir e produzir que só pode se realizar naquilo que já é, ou seja, no próprio ser. No homem, o pensamento forneceria o acesso à linguagem e esta a manifestação da verdade do ser que o habita. Ao pensar, o homem pode estabelecer a relação do ser consigo mesmo. O pensar, assim, seria o engajamento numa ação que leva à verdade do ser. Para entender isso, seria preciso, segundo Heidegger, se afastar da concepção de pensamento prático e técnico oriunda de Platão e Aristóteles. Por conseguinte, a filosofia ocidental, pertencente a essa tradição, deveria abandonar a pretensão de conhecer os objetos e os entes de modo científico. O pensamento radical não se reduz às exigências de uma "exatidão artificial" dos sistemas teóricos, porém repousa sobre as expressões do ser exibidas em suas várias dimensões(3).

Contrário às demandas por um humanismo e às novas correntes de pensamento rotulados, Heidegger vai dizer que "em sua gloriosa era, os gregos pensaram sem tais títulos"(4). Para ele, só quando o pensamento sai de seu elemento próprio é que, por perder o poder de guardar sua essência, a técnica passa a ser valorizada como atividade cultural e a "Filosofia vai transformar-se em uma técnica de explicação pelas causas últimas"(5), numa crítica direta à metafísica feita por Aristóteles, que buscava as causas últimas das coisas(6). O humanismo, de fato, deveria consistir numa meditação que preservasse o homem em sua humanidade, em sua essência.

A essência do homem, contudo, não se resume em ser um organismo animal que pensa. Esse tipo de classificação científic

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