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A EXISTÊNCIA DE LIDE NO PROCESSO PENAL – UM ESTUDO DA DISCUSSÃO DOUTRINÁRIA PROCESSUAL

Por:   •  1/3/2018  •  Artigo  •  6.288 Palavras (26 Páginas)  •  212 Visualizações

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A EXISTÊNCIA DE LIDE NO PROCESSO PENAL – UM ESTUDO DA DISCUSSÃO DOUTRINÁRIA PROCESSUAL.

1. INTRODUÇÃO

        

Muito se vem discutindo acerca da existência ou não de lide no processo penal e, se efetivamente, o ponto nodal da discussão estaria apenas na nomenclatura utilizada pelos processualistas, uma vez que para muitos, no processo penal não estaríamos diante de um conflito de interesses, entenda-se aqui, de uma lide, uma vez que as partes teriam uma mera pretensão.

Para um melhor entendimento da questão processual, necessário se faz traçarmos um breve histórico do processo penal.

Desde os mais remotos tempos, em sendo praticado um fato caracterizado como de natureza de infração às normas sociais, em especial, um fato denominado de delituoso, nascia a possibilidade para a vítima de buscar a punição do pretenso culpado pela transgressão da norma penal.

De início a vingança era exercida de per si pela vítima ou por quem de direito agisse nos interesses dela, sendo praticada, assim, a vingança privada e, com o passar dos tempos, até mesmo pela consagração do homem como início, meio e fim da atividade estatal, com a consagração da dignidade da pessoa humana, acabou sendo afastada a autocomposição passando a ser do Estado o direito de julgar e punir o transgressor da norma.

        De um período de torturas inimagináveis, passamos a outro de garantias estatais que acabaram por aniquilar o direito da vítima de fazer justiça com as próprias mãos.

      Ao homem, independente de sua ação criminosa passou a ser garantido um julgamento justo e uma punição razoável, tudo buscando consagrar sua condição de meio e fim da atividade do Estado.

     Assim, antes de adentrarmos no aspecto processual da questão se mostra necessário apresentarmos um histórico acerca da dignidade da pessoa humana que acabou por nortear todas as discussões, sejam elas referentes ao direito material ou ao direito processual.

Para um melhor entendimento do progresso referente ao conceito e a aplicabilidade do princípio da dignidade humana, entenda-se aqui da dimensão jurídico-constitucional da dignidade, necessário fazermos um estudo acerca da progressão e evolução da idéia da dignidade.

No pensamento filosófico e político da antigüidade clássica, restou pacificado que a dignidade (dignitas) da pessoa humana, em regra, era associada à posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da sociedade.

Tal entendimento evoluiu, até mesmo porque foi repensado o conceito de dignidade, passando a ser vista como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas (liberdade pessoal de cada indivíduo).

São Tomás de Aquino referia-se a dignitas humana, defendendo a idéia de que o homem tinha dignidade uma vez que fora feito à imagem e semelhança de Deus, tendo desenvolvido a capacidade de autodeterminação[1].

Nos séculos XVII e XVIII a concepção da dignidade da pessoa humana passou por um processo de racionalização, restando mantida a noção fundamental de que todos os homens eram iguais em dignidade e liberdade.

Entretanto, foi através de Kant que a dignidade da pessoa humana atingiu status de maior relevância, haja vista a rediscussão feita por ele no relativo ao conceito de pessoa. O renomado autor defendia a idéia de que somente os seres humanos racionais têm a faculdade de autodeterminação e a capacidade de agir em conformidade com a representação de certas leis[2].

Para ele, o homem existe como um fim em si mesmo, razão da importância da dignidade da pessoa humana.

Os seres cuja vontade não dependia do racional, mas sim da natureza, foram denominados por Kant de “coisas” e os seres racionais de “pessoas”. Estes, pela própria natureza, não poderiam ser empregados como simples meio: eles passam a ser o fim.

O próprio conceito do vocábulo “dignidade” confirma o pensamento Kantiano: “consciência do próprio valor”[3].

Segundo Kant:

[...] os seres racionais denominam-se pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, ou seja, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, portanto, nessa medida, limita todo o arbítrio (e é um objeto de respeito). [4]

De forma clara, o autor deixa evidente o conceito de dignidade:

No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não admite equivalente, então ela tem dignidade[5].

Complementando seu pensamento, assim declinou:

A natureza racional existe como fim em si. É assim que o homem se representa necessariamente à sua existência; e neste sentido, esse princípio é um princípio subjetivo das ações humanas [...] o imperativo prático será, pois, o seguinte: age de tal maneira que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.[6] 

Ainda citando Kant :

[...] supondo que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha um valor absoluto e que, como fim em si mesma, possa ser o fundamento de determinadas leis, nessa coisa, e somente nela, é que estará o fundamento de um possível imperativo categórico, quer dizer, de uma lei prática. Agora eu afirmo: o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional – existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim.[7]

Para Kant, todo ser humano se distingue das coisas uma vez que tem natureza própria, tem sua própria identidade, sendo único em sua consciência e em sua liberdade. Neste prisma, a dignidade é o valor que se reveste tudo aquilo que não pode ser valorado, que não tem preço e, como tal, que não admite substituição.

O Professor Miguel Reale, em sua obra “Introdução à Filosofia” esclarece o posicionamento Kantiano:

Quando Kant dizia – “Sê uma pessoa e respeita os demais como pessoas” – dando mandamento a força de um imperativo categórico, de máxima fundamental de sua ética, estava reconhecendo na pessoa o valor por excelência.[8] 

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