A Vigilância Líquida

O consumismo se tornou fundamental na produção de identidades e divisões sociais. Enquanto o mesmo certamente exige a sedução dos consumidores, esta também é resultado de uma vigilância sistemática em grande escala, que se mostrou mais clara com o advento das grandes empresas digitais como Google, Facebook e Amazon.

Nestes contextos, se encontra uma operação gerencial baseada na coleta de dados em grande escala, com o objetivo de classificar consumidores a partir de seu perfil. Na Amazon, por exemplo há a “filtragem colaborativa”, que mostram quais livros as pessoas com perfil semelhante ao nosso estão comprando. Isso é feito de forma consciente (não oculta), através da chamada “Lista de desejos”. No fim das contas, portanto, os dados de perfil são adquiridos sem esforço, facilitando a chamada “bolha de filtro”, que é uma espécie de personalização de acordo com suas preferências de compra (na Amazon), de Interação (no Facebook) ou de pesquisa (no Google).

Em um cenário mais amplo, a vigilância do consumidor, principalmente pela internet, contribui para uma desvantagem que oprime, isola, exclui e amplia os fossos, visto que cobre o acesso à uma gama de produtos na vida real, tais como os mercados financeiro e imobiliário e o atendimento de saúde, educação e serviços sociais. O poder de vigilância produz, portanto, uma variedade de comportamentos, afetando os grupos de maneira diversa.

Houve uma abertura das tecnologias de vigilância, antes pertencentes apenas a instituições governamentais. São departamentos que, nas empresas, recebem grande investimento.

O desenvolvimento deste poder foi fruto de uma revolução na sociedade consumista, que passou de um contexto de mera satisfação das necessidades para um de criação das mesmas, por meio do estímulo. Surgiu então a necessidade de criar demanda, ou seja, despertar a vontade de possuir um produto, o que demanda altos custos. Com o advento da internet, essa necessidade de criar vontade (a mais dispendiosa do processo) some, visto que a vigilância permite que o produto seja oferecido diretamente a pessoas ou grupos já propensos a aceitá-lo com entusiasmo. Com o registro das informações comportamentos anteriores, muitas vezes dadas voluntariamente, os servidores passam a conhecer as preferências específicas de cada um. A vigilância adotada é considerada como respeitadora das liberdades pessoais, visto que aborda referências inofensivas. Desta feita, um empreendimento intencional é disfarçado como hospitaleiro, sob a bandeira da solidariedade, afinal, é útil entrar em um site e receber uma sugestão que te agrade. O amor de ser visto entra na discussão no sentido do envolvimento voluntário dos vigiados em sua própria vigilância, não se importando com a mesma.