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O Processo de Kafka à luz das Garantias Processuais

Por:   •  31/5/2017  •  Trabalho acadêmico  •  3.641 Palavras (15 Páginas)  •  334 Visualizações

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O Processo de Kafka: Uma análise à luz das garantias processuais

        O presente trabalho tem o objetivo de traçar um paralelo entre o livro O Processo, de Franz Kafka, e a Teoria das Garantias do Processo, utilizando a obra como um guia literário para ilustrar o sentido e a importância que o acesso a essas garantias têm para o nosso sistema jurídico, à medida que elas servem de parâmetro para a implementação sensata da Jurisdição, dando o verdadeiro significado ao Poder Judiciário Estatal, que é o de servir à comunidade, trabalhando em conjunto com ela, e não contra ela, assegurando e resguardando os Direitos que a nossa sociedade atribui aos indivíduos.

        O Processo foi escrito em 1925, um dos romances mais notórios de Kafka, e retrata a vida de Josef K., um banqueiro pacato, o arquétipo do homem comum que ascendeu a um nível de prestígio em seu emprego graças  ao seu esforço e à adequação ao status quo da sociedade na qual ele é inserido, e sobre a qual só recebemos algumas pistas a medida que a história se desenvolve. Senhor K., a maneira como ele é mencionado durante o romance, levava uma vida tranqüila, até que, na manhã do seu aniversário de 30 anos, ele é acordado com a turbulenta invasão de dois desconhecidos ao seu quarto na pensão onde ele morava.

        Esses homens estranhos se apresentam como guardas, que estão ali para executar ordens da justiça, uma justiça que K. não conhecia, e que eles não se esforçam em explicar qual é e sob quais bases opera, apenas se dignando a dizer que cumprem ordens. Os guardas, então, comunicam a K. que ele está preso, e que sobre isso ele nada pode fazer, tendo que ficar submisso a um processo contra ele que estava sendo movido pela tal justiça anônima.

         K. se espanta ao saber que, de um dia para o outro, ele não era mais um homem livre, e sem nenhum motivo aparente. Ele, então, exige tratar com superiores para se informar acerca da acusação feita a ele, mas esse pedido lhe é negado, os guardas deixam claro que ele não pode simplesmente exigir informações a quais ele não tem acesso, ele não tem esse direito, afirmação que será repetida várias vezes durante o livro. Josef K., então, se encontra com o inspetor que o aguardava no outro quarto, pronto a interrogá-lo. Após ouvir as demandas de K para saber de onde vinha a legitimidade da acusação e do mandato de prisão que a ele eram impostos e a sua indignação, por afirmar com veemência saber ser inocente de qualquer falta ao qual era acusado, o inspetor se negou a prestar quaisquer esclarecimentos, pois dizia não ter acesso a essas informações e ser um mero funcionário, e, numa fala bem emblemática e que dá o tom de como seria o processo em questão, ele aconselha K. a pensar em como ele iria se portar durante esse processo diante das autoridades, prestar atenção no que ele iria falar, na impressão que ele iria passar, pois tudo isso influenciaria no processo, e apresentar a sua posição com tanta firmeza e alegar a sua inocência com veemência teria com certeza um impacto negativo na imagem dele perante os condutores do processo, e que isso, independente da existência de provas contra ele, poderia acarretar em um desfecho desfavorável para ele no processo.

        Desse modo, e sem que ele tenha feito algo que justificasse esses acontecimentos, Josef K se vê enredado a uma trama de confusão e obscuridade, e atrelado a um processo ao qual ele nem tem acesso, por pura arbitrariedade da justiça. O mote desse livro é pintar um quadro exagerado do que é a burocracia exorbitante nas sociedades, o que tanto vale para as sociedades à época de Kafka, quanto às sociedades atuais, demonstrando os absurdos provenientes da utilização dos aparatos institucionais para fins próprios, para além das necessidades dos indivíduos, e dos malefícios que esse distanciamento entre o cidadão e o Estado (e de tudo que vem dele) podem causar. Como em outros livros de Kafka, O Processo pode ser interpretado como uma hipérbole em que o Estado, ou as Instituições, ganham proporções gigantescas e injustas, colocando-se em enfrentamento ao indivíduo, que, por sua vez, toma consciência da sua pequenez, é uma trama que utiliza do absurdo para levar o leitor à reflexão sobre o papel do homem na sociedade.

        Logo nessa primeira cena, que se desenrola entre a página 4 e a 14 do livro, é possível detectar a presença do conceito de algumas garantias do processo, e as suas respectivas violações. Primeiramente nós vemos uma completa distorção do Devido Processo Legal, do qual também advém outras garantias. Ao senhor K é apresentada bruscamente a existência de uma justiça que mantêm um tipo de processo completamente diferente do que uma sociedade democrática oferece, ele, ao início do processo, já é condenado a prisão, mesmo antes de ser considerado culpado, o que vai de encontro com a máxima do Devido Processo Legal, segundo o qual "ninguém será privado da liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal". O devido processo legal suscita que as partes tenham os instrumentos para que eles consigam atuar no processo de maneira efetiva, para que eles tenham participação na condução da justiça, e, através dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, veda aos órgãos administrativos, legislativos e judiciais, a possibilidade de atuarem com arbitrariedade e com abuso de poder, que é precisamente o que acontece quando homens desconhecidos invadem a esfera privada  mais nuclear de K. sem aviso prévio nem mandato que o mesmo possa reconhecer, quando se apossam dos pertences pessoais dos moradores da pensão para conduzir um interrogatório, e mantêm Josef preso em seu quarto.

        Nesse primeiro momento da acusação a garantia do contraditório também foi violada, pois ao saber que é acusado, a K. é negado o direito de reagir a acusação, a alegar-se inocente, ele não pode plenamente afirmar que nada fez. É também atributo do princípio do contraditório, na fase inicial do processo, a exposição dos fatos ao qual o indivíduo é citado ou acusado, para que ele tenha ciência da situação em que se encontra e possa defender-se, dando viabilidade material ao princípio da ampla defesa, o que não se verifica no caso de Josef K.

        Pode-se perceber, também, que desde o início os agentes da justiça negam-se a trabalhar de acordo com a publicidade dos atos jurídicos. Tanto os guardas quanto o inspetor em momento algum explicam com detalhes as motivações do processo e as suas implicações para K., justificando não terem eles o acesso a essas informações e não ser direito de K., pelo menos de início, buscá-las, o que faz com que ele não entenda o que ocorre e por conseguinte não saiba como agir e como se defender. A garantia da publicidade exige que o Estado deixe a disposição da população em geral e principalmente das partes as informações sobre os atos processuais e o seu andamento, salvo em disposição contrária da lei, como é disposto no artigo 5°, inciso LX da Constituição Federal, segundo o qual:

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