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Resenha: Notícias de uma guerra Particular

Por:   •  26/4/2018  •  Trabalho acadêmico  •  2.322 Palavras (10 Páginas)  •  701 Visualizações

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                           Resenha: Notícias de uma guerra Particular

Inicialmente produzido para ser veiculado pela televisão, o documentário
Notícias de uma guerra particular enfoca o tráfico de drogas no Rio de Janeiro,
especialmente no que acontece com sua ponta mais visível, que é o do varejo em
larga escala enraizado em favelas e periferias, tendo sido filmado, em sua maior
parte, no Morro Santa Marta, que na época tinha Marcinho VP como o gerente do
tráfico. A estrutura narrativa predominante no filme é a dos documentários clássicos,
como os define, por exemplo, Nichols (1994 e 2005), e é construída através de três
diferentes tipos de relatos: o dos traficantes, o de policiais responsáveis pelo
combate ao tráfico e, finalmente, o relato de moradores do Santa Marta. Reforçando
estes relatos, ou completando eles, há várias imagens de arquivo, como trechos de
telejornais e fotografias. Em cada tipo de relato (traficantes, policiais e moradores)
são destacados um ou dois entrevistados que aprofundam o ponto de vista daquele
segmento. Pelo lado dos traficantes, é Adriano quem faz este papel; pelos
moradores, é principalmente o casal Janete e Adão; pelos policiais, são o capitão
Rodrigo Pimentel (do Batalhão de Operações Especiais - BOPE) e o então chefe da
Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Hélio Luz. Além destes, há depoimentos
que situam e contam a história do tráfico de drogas no Rio de Janeiro e a gênese e
formação do Comando Vermelho. Quem traça um contorno histórico do tráfico são
Paulo Lins, que mais tarde publicaria o livro C idade de Deus e seria co-roteirista do
filme de mesmo nome, e Carlos Gregório, o Gordo, um dos fundadores do Comando
Vermelho ainda nos tempos da quartelada d o 1º de abril de 1964, quando os milicos
misturaram presos políticos aos presos “comuns”. Este foi o primeiro filme
documentário que enfocou o tráfico de drogas nas favelas cariocas, tendo sido o
vencedor do Vº Festival Internacional de Documentários It´s All True, em 2000.
Este filme tem uma importância fundamental na cinematografia recente
brasileira, pois pode-se dizer que foi uma base e referência para outros filmes
importantes, como Ônibus 174, Cidade de Deus e Tropa de Elite. Rodrigo Pimentel,
o capitão do BOPE que aparece em crise no filme Notícias de uma Guerra
Particular, posteriormente participou do filme Ônibus 174, escreveu o livro Elite da
tropa, no qual foi inspirado o filme Tropa de Elite, filme em que ele atuou como
consultor e também como um de seus roteiristas. Sobre sua participação em
Notícias de uma guerra particular, ele c onta4 que f oi escalado para acompanhar o
filme, pelo comando do BOPE, como um espião e um censor: no filme, acabou por
desabafar publicamente seu descontentamento. Oficial considerado modelo, tendo
sido várias vezes condecorado, a partir deste filme, passou a ser olhado com
desconfiança pelos superiores e sua carreira no BOPE sofreu uma inflexão aguda,
chegando ao ponto de ficar preso por oitenta dias 5. Paulo Lins, além de autor do livro
Cidade Deus, foi co-roteirista do filme homônimo e Katia Lund, ao lado de Fernando
Meireles, co-dirigiu C idade de Deus.
Também considero importante o fato de que Katia Lund teve que se explicar à
polícia devido a seu trânsito junto ao Marcinho VP 6. João Moreira Salles, por sua
vez, impressionado com a inteligência e articulação de Marcinho VP, tentou ajudá-lo
a sair do tráfico, pagando a ele uma bolsa de estudos durante quatro meses. Por
causa disto, foi condenado pela justiça, tendo como pena a obrigatoriedade.
O cenário é o Rio de Janeiro e, mais especificamente, o ambiente das favelas
cariocas, que comparece através da favela do Morro Santa Marta, local onde há
intenso comércio varejista de drogas ilícitas e local alvo também de violentos confrontos armados entre traficantes e policiais. Como o próprio filme adverte, logo
em seu início: as favelas não são os únicos lugares onde há tráfico de drogas, mas
são os mais visados pela repressão policial. Mesmo porque, como diz um dos
entrevistados no filme, o delegado Hélio Luz, os “donos” do tráfico nos morros não
passam de gerentes de um comércio varejista. Presume-se que algum grande
atacadista de drogas (e certamente também de armas) os abastece, provavelmente
encoberto por policiais e juízes corruptos 10. Este, resumidamente, o cenário. Como
dar conta de fazer uma narrativa sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, sem
virar porta- voz de uma parte ou outra, e sem o enfoque sensacionalista (ou
alarmista) da mídia tradicional? Para isto, os realizadores deste filme criaram uma
estratégia narrativa, que acabará por ser elemento constituinte de um a diegese
própria do filme.

Dentro do que autores como Bill Nichols (1994, 2005), do ponto de vista
formal, ou seja: narrativo e estético, classificam os filmes documentários, o filme
Notícias de uma guerra particular apresenta quase todos os traços de um filme
documentário tradicional. Não há nenhuma ousadia formal, nenhuma nova proposta
estética. Longe de ser uma “ingenuidade”, isto é uma estratégia narrativa, como
discutirei aqui, e certamente também é reflexo de uma confiança por parte dos
diretores na objetividade do real, ou pelo menos daquela realidade flagrada.
Como nos documentários classificados como “a voz de Deus” 11, este filme
começa com uma viatura da polícia civil carioca adentrando o portão de um depósito
de sucata, tendo como fundo sonoro a voz over de um locutor, que nos diz:
Na primeira terça-feira de cada mês, um camburão escoltado por
três carros da polícia civil, deixa a Avenida suburbana no Rio de
Janeiro, sede da Delegacia de Repressão ao Entorpecente e vem
para este Ferro Velho no Caju. O comboio transporta toda a droga
apreendida no último mês. Uma quantidade que pode variar de 200
quilos a três ou quatro toneladas. Em duas horas, tudo será
incinerado em um forno de alta temperatura...

Como mostra, entre tantos exemplos, a reportagem Devassa na Justiça, publicada na revista Carta
Capital, edição nº 565, de 30 de setembro de 2009.
Para esta classificação, ver, por exemplo, Nichols (1994 e 2005).

Enquanto o locutor fala, as imagens mostram a droga sendo descarregada e
um forno sendo aceso. A voz over continua apresentando dados e estatísticas, como
a relação entre tráfico e homicídios, etc. Depois de relatar que na época o tráfico de
drogas empregava 100 mil pessoas, o mesmo número de funcionários da Prefeitura
do Rio de Janeiro, a voz nos informa que (...) este programa, rodado ao longo de 97
e 98 ouviu as pessoas mais diretamente envolvidas neste conflito: o policial, o
traficante e, no meio do fogo cruzado, o morador. Quando o locutor começa a
comparação entre o número de empregados no tráfico e o de funcionários da
prefeitura, a imagem, que até então era a da droga sendo incinerada, passa a ser a
da vista aérea de uma favela – provavelmente a do Morro Santa Marta - com o ruído
de um helicóptero ao fundo. Este primeiro bloco do filme é encerrado exatamente
após o locutor pronunciar a última frase, com o ruído semelhante ao de um slide sendo apresentado. O que se vê na tela, em sincronia com o ruído, é o efeito mesmo
de um eslaide, que mostra um fundo preto com o título do filme: Notícias de uma
guerra particular, vazado em letras brancas com uma fonte tipográfica semelhante

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