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TRANSTORNO MENTAL E CRIMINALIDADE NA ADOLESCÊNCIA: NOTAS PARA UMA ANÁLISE CRÍTICA DA PATOLOGIZAÇÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL

Por:   •  8/3/2016  •  Artigo  •  26.978 Palavras (108 Páginas)  •  592 Visualizações

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TRANSTORNO MENTAL E CRIMINALIDADE NA ADOLESCÊNCIA: NOTAS PARA UMA ANÁLISE CRÍTICA DA PATOLOGIZAÇÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL

Maria Cristina Gonçalves Vicentin

Professora Doutora do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social da PUC-SP. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa "Violências: sujeito e política". Consultora no campo dos direitos da infância e juventude. Psicóloga.

Miriam Debieux Rosa

Professora Doutora do Programa de Psicologia Clínica da USP, onde coordena o Laboratório "Psicanálise e Sociedade". Professora titular do Programa de Pós-Graduação da Psicologia Social da PUC-SP. Coordenadora do Núcleo "Violências: sujeito e política". Psicanalista.

Área do Direito: 

Penal

Resumo: 

O presente trabalho aborda os sinais crescentes, no município de São Paulo, da patologização do adolescente em conflito com a lei, particularmente pela centralidade que o tema do transtorno de personalidade anti-social vem ganhando na gestão da criminalidade juvenil, tendo protagonizado, inclusive, a criação de um serviço especializado: a Unidade Experimental de Saúde. O trabalho analisa, por meio da escuta de diferentes atores (promotores, juízes, defensores e profissionais da saúde mental) a produção dessa composição e propõe outros modos de pensar a relação psi-jurídica, pautada não numa abordagem criminológica, mas na clínica preconizada pela reforma psiquiátrica.

Palavras-chave: 

Adolescente autor de ato infracional - Transtorno de personalidade anti-social - Periculosidade - Reforma psiquiátrica - Criminalidade juvenil

Abstract: 

This paper addresses the growing signs of the pathologicalization of the teenage offender in conflict against the law, in the municipality of Sao Paulo, particularly because of the importance that the topic of the anti-social personality disorder has acquired in youth criminality management, accounting for the creation of a specialized service: the Experimental Health Unit. By listening to different players (state attorneys, judges, mental health advocates and professionals), this paper analyses how this scenario is created and proposes different manners of reflection for the psycho-legal relationship, one that is not only based upon a criminological approach but also a clinical one, introduced by the psychiatric reform.

Keywords: 

Teenage offender - Anti-social personality disorder - Risk - Psychiatric reform - Youth criminality

Sumário:

1. A questão da patologização do adolescente autor de ato infracional - 2. Uma genealogia dessa construção: o caso da associação da criminalidade e do transtorno de personalidade anti-social em São Paulo - 3. Por que problematizar a temática do transtorno mental e da criminalidade na adolescência? - 4. Há outras maneiras de pensar as injunções subjetivas e de sofrimento psíquico do adolescente autor de ato infracional? - Referências bibliográficas

 

1. A questão da patologização do adolescente autor de ato infracional

O controle social dos adolescentes autores de ato infracional no Brasil tem se revestido atualmente de crescentes processos de patologização ou de psiquiatrização (Vicentin, 2005a, 2006). O que estamos chamando de psiquiatrização 1 é a predominância do argumento e da prática psi na gestão das problematizações e dos conflitos que setores da juventude vêm colocando ao campo social. 2 Por função-psi entendemos o conjunto de agentes, discursos, instituições, objetos - portanto, função psicológica, psicopatológica, psicossociológica, psicocriminológica, psicanalítica - que operam o dispositivo disciplinar, uma sujeição dos corpos e uma constituição dos indivíduos numa relação de poder que produz efeitos de normalização. 3

Nesse trabalho abordaremos mais especificamente a crescente participação da função-psi na gestão da delinqüência juvenil, principalmente pela tematização das relações entre transtorno mental e criminalidade juvenil. Essa composição vem construindo argumentos tanto para modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente (LGL\1990\37) - seja no tempo de aplicação da medida ou na proposição do tipo de medida -, quanto para a produção de práticas dirigidas ao autor de ato infracional que são frontalmente contrárias aos paradigmas garantistas. 4 Referimo-nos ao reaparecimento da figura da periculosidade, do transtorno de personalidade anti-social, dos exames médico-psiquiátricos e da internação em estabelecimentos especializados de saúde como via de gestão do ato infracional na juventude.

Abordamos em outros trabalhos, com maiores detalhes, os sinais dessa psiquiatrização (Vicentin, 2005a, 2005b, 2006), aqui apenas sintetizados:

a) A emergência de propostas de alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (LGL\1990\37) centradas no argumento do transtorno mental e da periculosidade (vide PL 2.588 do Deputado Federal Vicente Cascione, nov. 2003).

b) O crescente encaminhamento de adolescentes cumprindo medida socioeducativa para perícias psiquiátricas visando aferição do grau de periculosidade e diagnóstico de transtorno de personalidade anti-social.

c) A crescente internação psiquiátrica de adolescentes por mandado judicial, já verificada nos dois maiores hospitais psiquiátricos para adolescentes nos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, caracterizada: pela compulsoriedade, pela estipulação de prazos para a internação ou pela sua subordinação aos critérios jurídicos, por tempo médio de internação superior aos dos demais internos admitidos por outros procedimentos e pela acentuada presença de quadros relativos à distúrbios de conduta (portanto, não psicóticos) (Bentes, 1999; Joia, 2006). 5

 

2. Uma genealogia dessa construção: o caso da associação da criminalidade e do transtorno de personalidade anti-social em São Paulo

Um esclarecimento importante para entendermos a situação que será aqui analisada foi a presença de um contingente de jovens com diagnósticos diversos de transtorno mental e sem o devido tratamento especializado, internados na então Febem-SP, 6 que levou o Ministério Público e o Poder Judiciário do Departamento de Execução (das medidas socioeducativas) da Infância e Juventude (Deij) de São Paulo a instaurarem, respectivamente, processo (1999) e sindicância (2002) para apurar irregularidades no sistema de atendimento de adolescentes portadores de transtorno mental, convocando diversas Secretarias do Estado e do município para encaminhar providências e formular políticas nesse âmbito.

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