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Literatura infanto juvenil

Por:   •  19/9/2016  •  Relatório de pesquisa  •  7.314 Palavras (30 Páginas)  •  368 Visualizações

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3 Os dois Andrades. (CANDIDO, A. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970)

Um fato comentado naquele tempo era a briga entre Mário e Oswald de Andrade, ocorrida se não me engano por volta de 1929, depois de escaramuças anteriores. Nunca mais fizeram as pazes, embora tivessem antes sido o maior amigo um do outro, desde o momento em que Oswald descobriu literàriamente Mário (que conhecia desde 1917) e viu nêle a realização do que aspirava em matéria de reforma, como deixou patente no famoso artigo "O meu poeta futurista" (1921). Por que motivo brigaram, nunca perguntei nem êles me disseram. Sei que houve uma ruptura maior, ficando de um lado Mário, Paulo Prado, Antônio de Alcântara Machado; de outro, Oswald, Raul Bopp.

Sendo desprovido de rancor e esquecendo fàcilmente as birras, é natural que Oswald tivesse vontade de se reconciliar com o antigo amigo, o que esboçou mais de uma vez por intermédio de terceiros. A êste propósito, vale mencionar uma cena rara, única de que tenho notícia: o encontro dos dois, que presenciei, creio que pela altura de 1943.

Tratava-se de organizar em São Paulo a ABDE (Associação Brasileira de Escritores), cujo núcleo central já estava funcionando no Rio e que representou a arregimentação dos intelectuais para o combate ao Estado Nôvo, culminando no Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo no mês de janeiro de 1945 e primeira manifestação pública naquele sentido.

Havia uma pequena reunião no escritório de Plínio Mello, na rua João Bricola, que depois se tornou por muitos anos a

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sede da secção paulistana. Dos presentes, lembro de Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Mário Neme, Abguar Bastos; mas havia alguns outros. De repente entrou Oswald todo de branco e, ao ver quem estava ali, deu um vago bom dia geral, enquanto Mário ficava impassível.

Começou então a informar sôbre as suas gestões no Rio, de onde acabava de chegar trazendo mensagens e novidades: todos lá estavam entusiasmados, Otávio Tarquínio era o presidente, urgia nos organizarmos em São Paulo, de cuja secção tôda a gente achava que o presidente deveria ser Mário, "opinião com que estou inteiramente de acôrdo", ajuntou. A troca de idéias se generalizou e dali a pouco Mário tomou a palavra, falando também em geral e para todos, finalizando mais ou menos assim: "Quanto à idéia apresentada aqui de que eu devo ser o presidente, quero dizer que não concordo e não aceito." Oswald, tornando a falar, intercalou uma resposta no mesmo tom, insistindo no caso. E por aí foram mais um pouco, nessa conversa indireta, como se o outro não estivesse presente, - quando a certa altura Oswald soltou uma daquelas suas extraordinárias piadas e nós nos pusemos a rir. Mário tentou manter seriedade e ficar de fora; retesou o corpo, tremeu a bôca, não agüentou e desandou também num riso amarrado, mas sacudido e intenso. Oswald, que ao fazer a piada olhara para êle como quem observa o efeito de um golpe calculado, manifestou o maior prazer, rindo com extraordinária jovialidade. E encontrando Paulo Emílio mais tarde, disse-lhe que "as coisas estavam melhorando ... "

A convivência dos dois foi íntima no decênio de 1920; não espanta que tivessem idéias comuns, pensando as mesmas coisas ao mesmo tempo, como se pode ler nas cartas de Mário a Manuel Bandeira. Mas além das afinidades notórias e das coincidências, é provável que a influência inicial de Oswald (mais ousado, mais viajado, mais aberto), haja sido decisiva para levar Mário, tímido e provinciano, ao mergulho no Modernismo. E Oswald tinha razão quando via uma manifestação ( antecipada) da Antropofagia em Macunaíma, que admirava fervorosamente e que salva, como o Cura aos Amadises, na queima geral do prefácio de Serafim Ponte Grande.

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Muitos pensam que Mário recolheu no seu herói alguma coisa do pitoresco e da irreverência de Oswald, sendo certo que pelo menos um traço pode ser documentado, ·com apoio num caso que Mário contou a Sérgio Buarque de Holanda, de quem o ouvi mais ou menos da seguinte forma.

Nos anos de 1920, Oswald encontrou Villa-Lobos na Europa e ficou surprêso com a deficiência da sua cultura, que o levava a confundir Jules Romains com Romain Rolland e coisas assim. De volta, falou disto no salão de Dona Olivia Guedes Penteado, dizendo que o grande compositor nos comprometia lá fora. E entrando pela exageração que o tomava quando estava em veia polêmica, terminou afirmando que êle nem música sabia e era um ignorantão instintivo. Como alegassem que não tinha autoridade para dizer isto, retrucou mais Ou menos:

"- Não sou eu quem diz. O Mário, que entende, falou que o Villa não sabe harmonia nem contraponto".

As pessoas estranharam, lembrando que Mário dissera sempre o contrário. Oswald então foi mais longe e explicou:

"- Isto é porque não tem intimidade com vocês. A mim êle diz a verdade".

Diante disto a discussão morreu; mas um dos presentes não se conformou e telefonou a Mário, censurando a sua dubiedade: como é que pensava uma coisa e dizia outra? :me protestou, o interlocutor deu os pormenores, êle ficou danado. Saiu então à busca de Oswald e, encontrando-o por coincidêndia na rua Quinze, chamou-o às falas. Mas o amigo o desarmou, retrucando simplesmente, com a limpidez risonha do seu olhar azul:

"- Eu menti!"

Agora, a transposição. Como todos lembram, Macunaíma se gaba de ter caçado dois veados na Feira do Arouche, mas os irmãos chegam e desmentem, informando que tinham sido dois ratos. Os ouvintes caçoam dêle, a dona da pensão o censura, tomando satisfações pela invencionice, e êle desarma tôda a gente, dizendo com a maior candura:

"- Eu menti!"

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Contava-se que Oswald fazia sôbre o antigo amigo piadas terríveis e divertidas, que corriam mundo. Mas eu só o ouvi falar dêle no plano intelectual, com discrição e naturalidade, talvez porque o tempo da virulência tivesse passado quando estreitamos relações. Lamento não ter anotado as coisas que me disse, pois esqueci a maior parte e a memória vai deformando o resto.

Do seu lado, Mário nunca falava de Oswald e dizia não ter lido nada do que êste escrevera depois da briga. Certa vez alguém lhe perguntou por que motivo fizera as pazes com determinado escritor e não as fazia com êle. Resposta: que Fulano eu não respeito, e o Oswald eu respeito". Quando eu estava preparando o artigo sôbre a expectativa de Marco zero, disse a Mário que A estréIa de absinto era muito ruim. "Eu acho muito bom", respondeu com um riso sem graça. Em 1945 ambos participaram do Congresso de Escritores. Mário, assíduo e calado; Oswald, intervindo mais. Numa das sessões, entrou com uma pilha de volumes de Chão, que acabava de sair, e foi distribuindo a vários congressistas.

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